Depois de ter proscrito toda a forma de
idolatria, o código da Aliança elenca algumas linhas orientadoras
para a aplicação prática das 10 palavras. São normas que têm em mira
muito mais educar do que ameaçar, não obstante a dureza da pena de
morte, escolhida para tornar evidente a gravidade do pecado.
Com estas regras querer-se-ia estimular
uma solidariedade alargada, baseada no respeito do próximo.
As leis são iguais para todos, até para o rei, que deveria
estudá-las quotidianamente (Dt 17,18-20).
v.1 Estas são as normas que
tu lhes exporás. O Autor faz falar Adonai, para lembrar que:
1. O direito de Israel é revelado, não nasce de uma assembleia
constituinte ou de um rei. Especificamente não existia em Israel a
distinção entre normas civis e normas religiosas. 2. Violar
uma norma não era só infringir uma lei civil, era antes de mais
cometer um pecado, porque a lei era tomada como provinda de Deus.
Na base do direito israelita está a
experiência da libertação dos escravos do Egipto, paradigma ao qual
o hebreu deve sempre voltar.
Disto resulta que as primeiras normas
tratam da libertação dos escravos e da proibição de qualquer abuso
relativamente a eles. v.2 Quando adquirires um escravo
hebreu… O escravo hebreu era geralmente alguém que se vendia
porque estava crivado de dívidas. Na realidade não era ele que se
vendia mas o seu trabalho, que realizava sem obter compensação. No
interior do povo de Deus ninguém podia pertencer verdadeiramente a
outro, porque se diz no Levítico (25,42):
Esses (os hebreus) são meus servos, os que fiz sair da
terra do Egipto; não devem ser vendidos como se vendem
os escravos. |
Mas de facto existia escravatura, mesmo
que fosse temporária.
A lei do ano sabático, cujo efeito se
verificava todos os sete anos, impedia, porém, uma escravatura de
longo prazo (Dt 15,12). A liberdade era um bem demasiadamente
precioso para que alguém pudesse ser privado dela durante muito
tempo. Para entender quanta foi a exigência de Deus relativamente à
libertação dos escravos, veja-se Jr 34, 8-17. Em Dt 15, 12-15 e em
Lv 25,39-46, constata-se uma evolução da norma para uma, cada vez
maior, generosidade relativamente ao escravo hebreu. Aparece até uma
distinção entre hebreus e não hebreus. Esta atitude, que poderia ser
hoje considerada racista, na realidade era vista, naquele tempo,
como uma consequência de uma vocação específica recebida de Deus. Só
os hebreus é que tinham sido libertados por Adonai e como libertos
deveriam permanecer.
v.3 Se chegou só sairá só.
Por só entende-se não casado. Era costume casar o escravo com
uma escrava e tomarem-se os seus filhos e filhas como escravos. Mas
quando se trata de escravos hebreus, impõe-se ao dono a não
observância deste costume.
v.4 Salvaguarda-se apenas o caso
em que o escravo tivesse aceitado casar-se com uma escrava Cananeia,
permanecendo, neste caso, na casa do dono, assim como os seus
filhos.
v.6 Mas se o escravo disser:
eu amo o meu amo e a minha mulher… não quero sair em liberdade…(tema
retomado em Dt 15,16-18). A escolha nasceria do facto de, num
contexto familiar onde o amo era respeitador dos direitos do
escravo, a vida ser bastante mais feliz do que a difícil e precária
vida vivida fora deste contexto. Esta norma ensina que:
Respeitar o outro quer dizer antes de mais
conceder-lhe
a liberdade de escolha.
|
O ouvido é uma metáfora da escuta e da
obediência (Sl 40,7-9; Pr 20,12; Is 55,2-3…), a típica atitude do
servo. A referência à grade da porta é devida à recordação da
libertação, quando esta grade foi sinalizada com o sangue do
cordeiro.
Mesmo enquanto escravo o hebreu deve lembrar-se de
permanecer interiormente liberto. |
É o que recorda Jesus ao guarda
que o flagela sem razão para agradar ao sumo sacerdote.
(Jo 18,19-23).
v.7-11 quando um homem vender
a filha como escrava… Isto aplicava-se apenas às filhas menores,
ainda não casadas, que eram tomadas como concubinas, portanto
mulheres com menos direitos. A lei intervinha para impedir que lhes
fosse dado outro destino ou fossem maltratadas. Se não lhes era
concedido o expectável, poderiam tornar-se libertas.
O Siracide (33,25-33) conjuga a
severidade, típica daquele tempo, na relação com o escravo, com a
justiça e o respeito, mesmo que também vistos em função do próprio
retorno.
Não fazer nada sem
justiça. Se tens um escravo que seja como teu igual …
trata-o como um irmão, porque terás necessidade dele
como de ti mesmo. (Sir 33,30-32). |
A propósito da palavra não matarás:
v. 12 Aquele que golpeia um
homem causando-lhe a morte… O código distingue entre o homicídio
intencional punido com a pena de morte (ver Gn 9,5-6; Nm 35,16-21;
Dt 19,11-13), e o homicídio pré-intencional ou involuntário. Com
efeito, Deus considera a intenção daquele que comete homicídio, de
acordo com o que está no seu coração. (Dt 19, 4-6). Na mesma linha
estará Jesus quando diz o quanto é importante a intenção do coração
(Lc 6,45; Mc 7,14-23).
v. 13 Mas para aquele que não
agiu com maldade… lograrei um lugar onde poderá refugiar-se.
É considerado justo permitir que o
culpado fuja ao “vingador de sangue”, a vingança do parente mais
próximo da vítima. Por isso em Israel estava instituído o direito
de asilo, limitado aos santuários e às cidades francas e extra
territoriais escolhidas pelo próprio Deus. (Js capítulo 20; Nm 35,
9-15 e 22-28; Dt 19, 1-3 e 7-10). Este direito permitia ao homicida
involuntário encontrar refúgio e ser protegido da vingança, indo
viver numa comunidade distante daquela onde cometeu o acto. Segundo
Josué c. 20, o homicida involuntário teria que permanecer nesta
comunidade até à morte do sumo sacerdote.
A propósito da palavra honra o teu
pai e a tua mãe:
v.15 Aquele que bater em seu
pai… e v. 17 …aquele que amaldiçoar seu pai… O
Código é severíssimo, porque numa sociedade fortemente patriarcal o
respeito pelos progenitores deve ser absoluto. Era também aplicada a
pena de morte pela infracção a este mandamento. Ver Sir 3,1-16; Dt
27,16; Lev 20,8-9; Pr 20,20.