Esta declaração está no coração da
Aliança: Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. Os
versículos 27-30 do capítulo 22 do Êxodo indicam-nos algumas
consequências de tal declaração. Primeiro que tudo, a necessidade de
amar e venerar o próprio Deus (e a “cabeça” da comunidade que O
representa); não é permitido falar mal dele ou blasfemá-Lo (v.27).
Em seguida, é reconhecido que tudo procede d’Ele, de forma
particular a terra em que Israel vive e de cujos frutos se alimenta
(vs.28-29).
Ninguém se apresente diante de
Mim de mãos vazias. (Ex 23,15)
Em cada dádiva está inato o perigo de
se esquecer o doador. Israel, instalado na terra prometida, corre o
risco de se esquecer do seu Deus, o dono da terra e do mundo (Lv
25,23). Três mil anos passados, como hoje, o crente tende a crer-se
como o único construtor da sua felicidade, ligada exclusivamente à
pura realidade material (Dt 8,10-18). Para evitar este
pecado, o hebreu tem a obrigação de dar a Deus o melhor, isto é as
primícias da sua colheita (Dt 26,1-11; Nm 15,17-21; Lv
23,9-14), os primogénitos do seu gado e dos seus filhos (Ex
11-16; 13,2; 34,19-20, Nm 8,17; Dt 15,19). Todavia, no caso dos
animais pouco fecundos (por exemplo os burros) e úteis no trabalho,
era dada a possibilidade de resgate (Ex 13,13; 34,20) e,
naturalmente, sempre seriam resgatados os primogénitos do homem (até
Jesus foi resgatado (Lc 2, 22-23). No início, as primícias eram
consumadas em frente de Deus (Dt 15,20), depois eram dadas aos
sacerdotes para o seu sustento (Num 18, 11-19).
Este reconhecimento, de forma
insistente, de Deus como única fonte de todo o bem torna os homens
santos (v.30). A interdição de comer um animal esfacelado vem
explicada no Levítico 17,10-16.
Capitulo 23
O autor bíblico continua a interligar
os deveres para com Deus com os deveres para com o próximo, porque
estas duas responsabilidades não são disjuntas. Por isso, o autor
insere aqui o preceito do correcto exercício da justiça (vv. 1-3 e
6-8), apresentada no âmbito forense, mas patente numa dimensão mais
vasta. A instituição dos juízes foi a primeira instituição que os
israelitas tiveram ainda enquanto peregrinos no deserto (Ex.
18,13-27; Dt 1,9-18). No Dt 16,18-20, é dado a Moisés o
mandamento explícito para constituir juízes em toda a cidade. De
facto, a ordem subentendida é esta:
A justiça e só a
justiça seguirás , para que vivas. (Dt 16,20)
O autor recorda que facilmente se pode
perverter a justiça, caindo na armadilha da corrupção (v.8), do
favoritismo pessoal, e na errada procura da verdade (v.7). Veja-se o
comentário a Ex. 20, 16. O juízo humano deve alinhar-se com o de
Deus, que é sempre um juízo imparcial (Dt 1,17; 10,16-18). Os
direitos dos pobres têm que ser protegidos (v.6). Mas, mesmo a
compaixão não se deve exercer ao arrepio da justiça (v.7).
v. 2. Não seguirás a maioria
para fazer o mal.
O juízo deve ser independente das pressões da praça. Não procederá
assim Pilatos no processo de Jesus (Lc 23, 13-25; Mc 15,
6-15; Mt 27,19-26). A verdade e a justiça podem não estar do lado da
maioria. É esta uma advertência importante para as democracias que
se baseiam nas decisões da maioria. Nesta passagem quer-se sublinhar
a importância de um critério ponderado autonomamente e livre dos
factores inquinantes do juízo.
Inseridos que estão os deveres da
justiça, segue-se a recomendação da solidariedade e da prestação de
ajuda mútua, até quando se trata de um inimigo (vv.4-5 e
Pr 25,21.22; Dt 22,1-4). Ajudar o inimigo equivale a ter
benevolência ao confrontá-lo. Jesus retomará este conceito, reagindo
contra os moralistas do seu tempo, que não seguiam a palavra de Deus
(Mt 5,43-48).
v. 10 Por seis anos semearás a
tua terra…mas no sétimo ano não a desfrutarás. (Veja-se Lv 25,
1-7). A seguir aos deveres para com o próximo são recordados os
deveres para com a terra e para com os animais. Nem a terra nem
os animais disfrutarão (v.12, veja-se também Dt 25,4; 22,
6-7). Têm direito ao seu repouso, tal como o homem e a mulher. O ano
sabático tem como referência o dia de sábado que Deus santificou (Gn
2,3) e que o homem, imitando-O, deve santificar (Ex 20,8-11).
É este, por excelência, o sinal distintivo de Israel, o sinal eterno
entre Mim e os israelitas (Ex 31,17). O ano sabático aparece como
uma forma de libertação da terra, não submetida a um ano de trabalho
do homem, e colocada nas mãos de Deus, que repousou no sétimo dia. A
terra produz agora, mas de maneira livre, e os frutos espontâneos
serão, em primeiro lugar, para os pobres. A atenção para com os
pobres é integrada no calendário litúrgico.
No pensamento bíblico, Deus não se
limita a salvar as criaturas humanas, mas salva também os animais (Sl
36/35,7; Is 11,6-9; Gn 6,18-22; Mt 6,26; Lc
12,24).
v. 14 Três vezes por ano
farão festa em Minha honra
A fé de Israel, que não conhece
dogma, ‘credo’ ou teologia, exprime-se e cresce através da das
festas litúrgicas. Nas festas mencionadas nestes textos
apresentavam-se a Deus as primícias, para celebrar a sua bondade e a
sua grandeza. Eram as três festas principais, estreitamente ligadas
à vida de uma sociedade agrícola, porque ligadas às estações do ano
e às colheitas. Nestas festas, inseria-se também a recordação de um
acontecimento histórico, que mostrava o poder e a personalidade de
Adonai, o Deus libertador e generoso nos seus dons, como a terra e a
Torah.
Na primavera, quando se colhia a
cevada, celebravam-se os ázimos (Ex 12,15-20; 13, 6-10; 34,
18; Dt 16,3-4), como parte da festa da Páscoa. Isto
recordava-lhes a pressa da partida do Egipto, que não tinha
permitido que o pão tivesse sido levedado. (Ex.12,34). O pão ázimo
era comido durante uma semana à espera do fermento produzido a
partir da cevada nova. A eliminação escrupulosa do fermento velho
era tomada como metáfora da libertação de tudo quanto é corrupto e
leva à corrupção. Paulo dirá em 1Cor 5, 7-8:
Deitai fora o fermento velho para
serdes uma massa nova, já que sois pães ázimos
Sete semanas depois da Páscoa, isto é,
depois de cinquenta dias (em greco Pentecoste, em Hebraico Shavuot),
celebrava-se a festa da ceifa do trigo (Ex 34,22; Dt 16,9-12;
Lv 23, 15-22). A esta festa estava ligada a dádiva da Torah
no Sinai, a qual os israelitas tinham aceite com toda a convicção.
Para perceber o valor conferido, veja-se Dt 4,5-8.
Não fiz assim com nenhum outro povo,
nem manifestou a outros os seus preceitos. Sl 147, 20
E, por fim, no Outono, era a festa da
colheita dos frutos, das azeitonas e das uvas, a festa dita das
cabanas (Succot), que se construíam para recordar a vida precária
dos quarenta anos no deserto, uma vida abençoada pela providência de
Deus (Dt 16,13-15; Lv 23, 33-36 e 39-43).
As tuas vestes não se gastarão e os
teus pés não incharão durante estes quarenta anos.