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 O Livro do Êxodo

 

Adonai diz a Moisés:

Quero visitar Israel, porque é o meu filho primogénito

 

Êxodo, capítulo 4

 

Nicoletta Crosti

 

Moisés não quer ir para o Egipto e continua a pôr objecções.

v.1 “não acreditarão em mim, não escutarão a minha voz”.
O verbo Hebraico para acreditar, ‘aman’, de onde provém o nosso ‘amen’, significa dar pleno apoio, dar o consentimento. Este verbo está sempre associado ao escutar da voz (repetido nos v. 8 e 9). De facto, para o judaísmo:

crer é escutar e consentir

O autor insiste com as objecções de Moisés, que resiste em comprometer-se. Adonai vem então ao encontro das hesitações de Moisés e dá um primeiro sinal espectacular.

vv. 2-5 “ a vara transformou-se em serpente… para que acreditem que Adonai escolheu aparecer-te”. Esta vara tornar-se-á o símbolo do poder de Adonai (Ex 14,16; 17,5.9.). A serpente, na cultura antiga, era um símbolo misterioso, de vida e de morte, que evocava veneração e aversão, símbolo da energia que cria a vida (Num 21,8-9), da imortalidade, da fecundidade. No Egipto a serpente coroava a testa do faraó.

vv. 6-8 Adonai dá um segundo sinal: a mão leprosa. A lepra implicava a marginalização da vida comunitária (Lev 13,45). Israel pensava que só Deus poderia curá-la (Num 12,9-16).

v.9 Adonai dá um terceiro sinal: a água transforma-se em sangue. Moisés não é um mago, mas um profeta (Dt 18,20-22), o seu momentâneo poder taumatúrgico é um dom de Deus.

Deus é aquele que transforma, aquele que muda o rochedo em lago (Sl 114/113, 8), o escuro em claridade (Am 5,8), os rios em ilhas ( Is 42,15).

v. 10 “sou lento de boca e de língua” é outra objecção.

vv 11-12 “Vai! Eu estarei com a tua boca” (ver Num 22,38; Dt 18,17-22; Is 59,21). Adonai quer que Moisés confie nele.

v. 13 “manda quem queres mandar”. Subentende-se: mas não eu. Moisés continua a resistir.

v. 14 “Acendeu-se então a cólera de Adonai contra Moisés”. Adonai tem pressa de vir em auxílio dos israelitas, e Moisés não se comporta de facto como um servidor, não obedece. Todavia, Deus ainda lhe oferece uma tábua de salvação: o seu irmão Araão, da tribo de Levi, bom falante, falará em seu lugar.

vv. 15-16 “Tu falar-lhe-ás e colocarás na sua boca as palavras a serem ditas …ele (Araão) será para ti como boca e tu serás como Deus”. O papel das duas personagens é claramente distinto; Araão será somente o porta-voz de Moisés, enquanto que Moisés toma o posto de Adonai à frente do povo. Deste modo é dado à classe sacerdotal um papel de relevo, mas sempre subordinado ao profeta laico Moisés, que é o verdadeiro mediador.

A ambos Deus ensinará o que fazer na prática.

A vocação de Moisés mostra que:

Cada vocação é primeiro que tudo um consentimento à vontade de Deus, que o homem permanece livre de refutar.
Cada vocação é intrinsecamente ‘profética’, o chamado deve falar aos homens no lugar de Deus, e tornar-se mediador entre o céu e a terra.
Cada vocação é uma vivência de confiança em Deus e um risco, porque o eleito não conhece antecipadamente todo o percurso da sua missão.

Do versículo 18 ao 31 consta o retorno de Moisés ao Egipto; é um mosaico composto de contribuições de diversas tradições. Deus põe Moisés a par das suas intenções e prepara-o para o que virá.

v. 21 “mas eu endurecerei o seu coração ” diz Adonai, para dizer que a não conversão do faraó faz parte dos planos de Deus, que assim poderá manifestar a sua glória e o seu poder.

v. 22 Israel foi escolhido para receber a bênção e a herança do primogénito.

“Diz o Senhor: Israel é o meu filho primogénito”. Israel é como as primícias da colheita: toda a colheita pertence a Deus, mas os primeiros frutos de modo particular. “Israel era santo para Adonai, o primeiro da sua colheita” (Jer 2,3). Por isto os hebreus se sentiram filhos de Deus (Os 1,10; Is 1,2; Jer 3,14.19.22; 31,3), escolhidos por Adonai “Sereis para mim uma propriedade particular de entre todos os povos: de facto, é minha toda a terra”.

v. 23 “Eu tinha-te dito: deixa partir o meu filho para que me sirva… mas tu recusaste… então eu fiz com que o teu filho morresse.” Segundo o direito de família israelita, a acusação é grave. Os direitos dos filhos são os direitos do pai. A aplicação da lei do Talião exprime toda a solidariedade paterna de Adonai para com o seu povo.

vv. 24-26 é um texto dos mais obscuros da Bíblia, uma narração antiquíssima. Deus aparece como uma imprevisível e terrificante força demoníaca que convém aplacar com um rito cruel de propiciação e de consagração. A história vem aqui narrada provavelmente para justificar a prática da circuncisão infantil, que era uma prática corrente, ao contrário da dolorosíssima circuncisão do adulto.

Zippora, a medianita, salva da morte Moisés, como já tinha feito a filha do faraó. Salva-o com uma circuncisão sucedânea. Tocar os pés é um eufemismo de tocar os órgãos genitais.

O autor propõe aqui quanto os hebreus haviam já, por si próprios, constatado: os servos escolhidos por Deus, antes de entrar na fase decisiva deste ministério, passavam por um período de prova, uma noite escura na qual o próprio Deus figurava como adversário. Veja-se de Jacob a Jabbok (Gn 31, 23-31), Abraão que ata o filho (Gn capítulo 22), Elias no deserto (1Re 19,1-4).

vv. 27-28 O encontro dos dois irmãos acontece no deserto e no monte de Deus, para sublinhar que profecia e futuro sacerdócio, embora hierarquicamente distintos, são igualmente importantes, tendo ambos nascido no monte de Deus.

vv. 29-31 No Egipto, estavam reunidos os anciãos, os responsáveis do povo. Araão, como previsto por Deus, fala e cumpre os sinais. Esta posição importante de Araão representa o papel do Sumo sacerdote em Jerusalém, depois do regresso dos exilados, que comentava a palavra de Deus, realizava oráculos e sinais.

v. 31 “ajoelharam-se e prostraram-se” a reacção dos israelitas é litúrgica (ver Es 12,27). O povo acredita na boa notícia: Deus veio visitá-los em resposta ao seu grito de dor (Ex 2,23)

 

* Tradução: Ana Luísa Teixeira

   
 

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