Moisés não quer ir
para o Egipto e continua a pôr objecções.
v.1 “não
acreditarão em mim, não escutarão a minha voz”.
O verbo Hebraico para acreditar, ‘aman’, de onde provém o nosso
‘amen’, significa dar pleno apoio, dar o consentimento. Este
verbo está sempre associado ao escutar da voz (repetido nos v. 8
e 9). De facto, para o judaísmo:
crer é escutar e consentir
O autor insiste com
as objecções de Moisés, que resiste em comprometer-se. Adonai
vem então ao encontro das hesitações de Moisés e dá um primeiro
sinal espectacular.
vv. 2-5 “ a vara transformou-se em serpente… para que acreditem
que Adonai escolheu aparecer-te”. Esta vara tornar-se-á o
símbolo do poder de Adonai (Ex 14,16; 17,5.9.). A serpente, na
cultura antiga, era um símbolo misterioso, de vida e de morte,
que evocava veneração e aversão, símbolo da energia que cria a
vida (Num 21,8-9), da imortalidade, da fecundidade. No Egipto a
serpente coroava a testa do faraó.
vv. 6-8 Adonai dá um segundo sinal: a mão leprosa. A lepra
implicava a marginalização da vida comunitária (Lev 13,45).
Israel pensava que só Deus poderia curá-la (Num 12,9-16).
v.9 Adonai dá um terceiro sinal: a água transforma-se em sangue.
Moisés não é um mago, mas um profeta (Dt 18,20-22), o seu
momentâneo poder taumatúrgico é um dom de Deus.
Deus é aquele que
transforma, aquele que muda o rochedo em lago (Sl 114/113, 8), o
escuro em claridade (Am 5,8), os rios em ilhas ( Is 42,15).
v. 10 “sou lento de
boca e de língua” é outra objecção.
vv 11-12 “Vai! Eu estarei com a tua boca” (ver Num 22,38; Dt
18,17-22; Is 59,21). Adonai quer que Moisés confie nele.
v. 13 “manda quem queres mandar”. Subentende-se: mas não eu.
Moisés continua a resistir.
v. 14 “Acendeu-se então a cólera de Adonai contra Moisés”.
Adonai tem pressa de vir em auxílio dos israelitas, e Moisés não
se comporta de facto como um servidor, não obedece. Todavia,
Deus ainda lhe oferece uma tábua de salvação: o seu irmão Araão,
da tribo de Levi, bom falante, falará em seu lugar.
vv. 15-16 “Tu falar-lhe-ás e colocarás na sua boca as palavras a
serem ditas …ele (Araão) será para ti como boca e tu serás como
Deus”. O papel das duas personagens é claramente distinto; Araão
será somente o porta-voz de Moisés, enquanto que Moisés toma o
posto de Adonai à frente do povo. Deste modo é dado à classe
sacerdotal um papel de relevo, mas sempre subordinado ao profeta
laico Moisés, que é o verdadeiro mediador.
A ambos Deus ensinará o que fazer na prática.
A vocação de Moisés
mostra que:
Cada vocação é
primeiro que tudo um consentimento à vontade de Deus, que o
homem permanece livre de refutar.
Cada vocação é intrinsecamente ‘profética’, o chamado deve falar
aos homens no lugar de Deus, e tornar-se mediador entre o céu e
a terra.
Cada vocação é uma vivência de confiança em Deus e um risco,
porque o eleito não conhece antecipadamente todo o percurso da
sua missão.
Do versículo 18 ao
31 consta o retorno de Moisés ao Egipto; é um mosaico composto
de contribuições de diversas tradições. Deus põe Moisés a par
das suas intenções e prepara-o para o que virá.
v. 21 “mas eu endurecerei o seu coração ” diz Adonai, para dizer
que a não conversão do faraó faz parte dos planos de Deus, que
assim poderá manifestar a sua glória e o seu poder.
v. 22 Israel foi escolhido para receber a bênção e a herança do
primogénito.
“Diz o Senhor: Israel é o meu filho primogénito”. Israel é como
as primícias da colheita: toda a colheita pertence a Deus, mas
os primeiros frutos de modo particular. “Israel era santo para
Adonai, o primeiro da sua colheita” (Jer 2,3). Por isto os
hebreus se sentiram filhos de Deus (Os 1,10; Is 1,2; Jer
3,14.19.22; 31,3), escolhidos por Adonai “Sereis para mim uma
propriedade particular de entre todos os povos: de facto, é
minha toda a terra”.
v. 23 “Eu tinha-te dito: deixa partir o meu filho para que me
sirva… mas tu recusaste… então eu fiz com que o teu filho
morresse.” Segundo o direito de família israelita, a acusação é
grave. Os direitos dos filhos são os direitos do pai. A
aplicação da lei do Talião exprime toda a solidariedade paterna
de Adonai para com o seu povo.
vv. 24-26 é um texto dos mais obscuros da Bíblia, uma narração
antiquíssima. Deus aparece como uma imprevisível e terrificante
força demoníaca que convém aplacar com um rito cruel de
propiciação e de consagração. A história vem aqui narrada
provavelmente para justificar a prática da circuncisão infantil,
que era uma prática corrente, ao contrário da dolorosíssima
circuncisão do adulto.
Zippora, a medianita, salva da morte Moisés, como já tinha feito
a filha do faraó. Salva-o com uma circuncisão sucedânea. Tocar
os pés é um eufemismo de tocar os órgãos genitais.
O autor propõe aqui quanto os hebreus haviam já, por si
próprios, constatado: os servos escolhidos por Deus, antes de
entrar na fase decisiva deste ministério, passavam por um
período de prova, uma noite escura na qual o próprio Deus
figurava como adversário. Veja-se de Jacob a Jabbok (Gn 31,
23-31), Abraão que ata o filho (Gn capítulo 22), Elias no
deserto (1Re 19,1-4).
vv. 27-28 O encontro dos dois irmãos acontece no deserto e no
monte de Deus, para sublinhar que profecia e futuro sacerdócio,
embora hierarquicamente distintos, são igualmente importantes,
tendo ambos nascido no monte de Deus.
vv. 29-31 No Egipto, estavam reunidos os anciãos, os
responsáveis do povo. Araão, como previsto por Deus, fala e
cumpre os sinais. Esta posição importante de Araão representa o
papel do Sumo sacerdote em Jerusalém, depois do regresso dos
exilados, que comentava a palavra de Deus, realizava oráculos e
sinais.
v. 31 “ajoelharam-se e prostraram-se” a reacção dos israelitas
é litúrgica (ver Es 12,27). O povo acredita na boa notícia: Deus
veio visitá-los em resposta ao seu grito de dor (Ex 2,23)