Na história dos patriarcas, Isaac
tem pouca relevância, é uma pessoa a quem falta uma vincada
personalidade própria. É apresentado segundo o modelo do pai e
apenas uma figura de ligação entre os dois grandes patriarcas:
Abraão e Jacob.
v.19-20 Esta é a
descendência de Isaac. A promessa de progenitura continua a
acontecer. Recorda-se a matriarca Rebeca, cuja família está ligada à
de Abraão, que é a origem da promessa.
v. 21 Isaac suplicou ao
Senhor por sua mulher, porque esta era estéril... o Senhor ouviu-o.
Retoma-se o tema da esterilidade da mulher, como já tinha acontecido
com Sara.
O autor vê nisso uma intervenção
directa de Deus que supera todos os obstáculos e concede uma
fecundidade extraordinária onde não existe a fecundidade ordinária (Gn
1,28). Não é necessário pensar num milagre, mas sim numa sequência
de circunstâncias que favoreceram a concepção. Uma mulher daquele
tempo era considerada estéril se não gerava rapidamente filhos, na
idade entre os doze, treze anos.
v. 22a Ora os filhos
lutavam dentro dela… é uma antecipação literária do que será a
relação conflituosa entre os dois irmãos.
v. 22b Se é assim porquê
eu? Ou seja, nestas condições, vale a pena ser mãe?
v. 22c Consultou o
Senhor. Naquele tempo era muito comum consultarem-se os profetas
ou os “homens de Deus” para conhecer a vontade de Adonai. O homem de
Deus era mediador entre o requerente e o próprio Deus. Era um homem
que não se deixava corromper, não aceitava presentes, nem se deixava
instrumentalizar. De início, as perguntas referiam-se a necessidades
pessoais (1Sm 9,1-10); depois, diziam respeito às
necessidades do povo (2Cr 18,4-34). No tempo do rei, tudo
isto se passava fora do culto. Mais tarde, os pedidos estariam
ligados às necessidades do ambiente do culto e do sacerdócio.
vv. 23-24 O Senhor
respondeu-lhe: duas nações estão no teu seio… o mais velho servirá o
mais novo. As duas nações serão Israel e Edom. No seio da mãe, é
já prefigurada a situação histórica, que durou um longo tempo, das
guerras entre os dois povos, que derivavam de um tronco comum.
Historicamente, Edom forma-se primeiro do que Israel, inclusive como
monarquia (Js 24,4). Os Edomitas opõem-se aos Israelitas desde o
início (Nm 20,14-21). No Salmo 137/136,7-9 e em Amós 1,11 vem
referida a sua perfídia. O autor escreve depois da conquista do
território dos Edomitas (2 Sm 8,13-14; 1Re 11,14-25) por David (X
século a.C.). Edom permanece tributário de Israel até ao rei Jorão
(848-841 a.C.).
v. 25 Dois gémeos
estavam em seu seio. O que nasceu primeiro, avermelhado e peludo,
como um manto de pêlo, foi chamado Esaú. Estas duas
características de nascença de Esaú prefiguram o seu futuro: dará
origem aos Edomitas, que viveram na zona do monte Sear, o que em
hebraico significa “vestido de pêlo”. O autor também justifica o
nome Edom com uma etimologia popular; “adom” que, em Hebraico,
significa “avermelhado”, “vermelho”.
v. 26 ... e segurava na
mão o calcanhar de Esaú; foi chamado Jacob. O autor faz derivar
o nome de Jacob da raiz da palavra ‘jacab’ = substituir,
fazer armadilha (donde deriva a palavra calcanhar). Será esta uma
característica deste patriarca. A etimologia correcta é “ja aqob”,
“que Deus proteja”.
v. 27 Naquela época, a
Palestina era muito arborizada e viviam lá dois tipos de população:
a dos caçadores e a dos pastores. Estes últimos levavam uma vida
mais regular, de maior progresso, uma vida sedentária, sendo nómadas
apenas durante alguns meses por ano. Eram agricultores, artesãos,
domesticavam animais. Por sua vez, os caçadores viviam inseridos
numa natureza não cultivada e usavam a violência e a astúcia para
sobreviver. Não tinham vida social, nem regras comunitárias, eram
livres e selvagens. As duas populações não eram solidárias, viviam
relações muito tensas. Na época de Salomão, os edomitas saqueavam as
caravanas que traziam ao rei as mercadorias do sul. O desprezo dos
israelitas pelos edomitas transparece pelo modo negativo como é
descrito Esaú.
v. 28 Isaac preferia Esaú
porque admirava imenso a sua caça. A mãe preferia Jacob porque ele
era mais tranquilo e dele será cúmplice no roubo da bênção a Esaú.
v. 30 Peço-te, dá-me a
comer um pouco desse alimento vermelho, aquele vermelho… O autor
faz uma caricatura de Esaú, que é apresentado como um instintivo,
que só se preocupa em ter resposta imediata às suas necessidades,
isto é, a fome e o cansaço.
Esaú
representa a avidez do homem que quer tudo rapidamente.
Esta atitude de Israel durante o caminho no deserto é
considerada negativa, ligada à incapacidade de confiar em Deus (Es
16,2-3; 17,3; Nm 11,4). É a atitude típica de quem não conhece a
fadiga e a espera, necessárias para atingir o verdadeiro bem.
v. 31 Jacob disse:
vende-me agora a tua primogenitura. O autor apresenta Jacob como
um homem astuto e calculista, que sabe retirar grandes vantagens das
circunstâncias.
v. 32 Eis que estou
morrendo: de que me serve a primogenitura? O v. 34b dá o
comentário do autor a esta frase. É um juízo de desprezo, porque não
consegue perceber os grandes dons do Senhor. Atitude similar à de
muitos cristãos de hoje que não sabem agradecer a Deus as graças que
recebem nos sacramentos. Esaú não está à altura do seu papel de
primogénito, que tudo herda do pai e, neste caso, a promessa de
descendência e da terra.
v. 33 E ele jurou-lho e
vendeu a primogenitura a Jacob. Em Hb 12,16, Esaú é apresentado
como um profanador dos dons de Deus.
Esaú perdeu tudo quanto lhe
pertencia legitimamente, a primogenitura, porque não lhe percebeu o
valor. Pelo contrário, Jacob, com outra sensibilidade, compreendeu o
seu valor, e é isto que o autor quer enfatizar. Porém, a forma como
Jacob se comporta, ao aproveitar-se de um momento de fragilidade do
seu irmão, deixa-nos perplexos.
Jacob torna-se assim herdeiro da
promessa de Abraão. O autor vê em tudo isto um plano do Senhor que,
antes do nascimento dos dois gémeos, já tinha previsto que o maior
haveria de servir o menor. A história da salvação insinua-se através
das facetas dos comportamentos humanos, frequentemente não lineares
e contraditórias. O autor insiste em querer mostrar que o plano da
salvação se desenvolve pelo puro dom de Deus e não pelo mérito das
personagens, que são, de vários modos, miseráveis. O autor não se
escandaliza pela miséria dos homens, pelo contrário mostra que
Deus serve-se de todos
para levar avante os seus planos, demonstrando, assim, o seu
poder que vence também com meios que podem parecer inadequados.