O autor do capítulo
quer dar uma imagem positiva de Jacob que, apesar de possuir um
temperamento rebelde e usurpador (Gn c.27), demonstra estar pronto a
servir por amor e ter o temperamento de um líder.
O autor ensina, mais
uma vez, que quem engana será enganado, pois Deus não preza os
enganos, mesmo aqueles perpetrados pelos patriarcas.
A primeira cena (vv.
2-14) desenvolve-se à volta de um poço. Nas terras áridas, os poços
eram lugar de encontro, onde se trocavam notícias e mercadorias. À
volta dos poços desenvolvia-se um misto de dar e receber,
firmavam-se as alianças e os contratos matrimoniais.
Na tradição hebraica, o
poço não era um sítio banal, mas um lugar de alto valor simbólico.
De facto, numa terra árida como a Palestina, a presença da água viva
do poço era considerada um dom especial de Deus.
Não é por acaso que
João no capítulo 4º situa o seu discurso teológico sobre o “dom de
Deus” à volta de um poço, na Samaria, num contexto nupcial.
Neste capítulo do Génesis, Jacob encontra num poço a sua esposa,
como já tinha acontecido a Isaac, através do seu servo (Gn
24,12-15), e como acontecerá a Moisés (Ex 2,15-22). Pode dizer-se
que na tradição bíblica o poço está ligado a um amor conjugal
(veja-se Ct 4,12.15.).
v. 1 Depois
Jacob pôs-se a caminho… Jacob deixa Betel, onde tinha tido uma
revelação de Adonai, e dirige-se em direcção às regiões dos filhos
do oriente, isto é Haran. Parece caminhar às cegas; é obrigado a
pedir informações.
v.2 Viu um
poço no campo… mas a pedra da boca do poço era grande. A pedra
posta sobre o poço tinha a função de impedir a queda de material
inquinante. Mas o autor faz notar que neste caso a pedra era grande;
está de facto preparando a entrada em cena de Jacob.
v. 4-5 Jacob
perguntou-lhes: Meus irmãos, donde sois?... conheceis Labão filho de
Nacor? Jacob é pastor de profissão ( Gn 25,27), encontra-se pois
no seu ambiente ao chamar os pastores irmãos. A resposta positiva
dos pastores faz Jacob perceber que chegou ao destino.
v. 6 Aí vem a
filha Raquel com o rebanho. Este aí é colocado
pelo autor para sublinhar a coincidência da chegada simultânea de
Jacob e de Raquel ao poço. Para o autor, esta
coincidência não é casual, mas vem da vontade de Deus.
As coincidências
banais construídas por Deus não afectam a livre vontade do homem,
que face a elas faz a sua escolha: tira proveito delas, aceita-as ou
rejeita-as
v. 7 …dai de
beber aos animais e ide apascentá-los. Admira ver Jacob, o
estranho, dar ordens aos pastores que não são seus. Quer afastar os
pastores? Quer demonstrar que é um líder? Os pastores lhe dirão que
ele não conhece a situação (v.8).
v. 10 Quando
Jacob viu Raquel, filha de Labão, irmão da sua mãe… removei a pedra
da boca do poço. Jacob não perde tempo e de modo decidido comete
um acto de galanteria, dando de beber ao gado de Labão em vez de
Raquel. Resulta claro que Jacob tem uma força física muito superior
ao normal; é capaz de, sozinho, deslocar uma pedra que costumava ser
movida por vários pastores. É dito três vezes que Labão é tio de
Jacob e por consequência Raquel é sua prima direita.
Esta ênfase quer
significar que Jacob, depois de ter enganado o pai, quer agora
obedecer-lhe até ao fim, casando com uma mulher do mesmo clã.
v. 11 Depois
Jacob beijou Raquel, soltou um grito e pôs-se a chorar em alta voz.
O autor faz precipitar os acontecimentos e relata um amor à primeira
vista. Jacob mantém um carácter impulsivo e decidido. Beija Raquel
sem mesmo lhe dizer quem é e descarrega a sua tensão num pranto
libertador.
vv. 12-14 Jacob revela a sua identidade e a filha corre a
contar tudo ao pai Labão. Este acorre ao encontro do sobrinho e
parece muito acolhedor.
v. 15 Labão
disse a Jacob… indica-me qual deve ser o teu salário. A
afectuosidade de Labão é apenas aparente, quando se dá conta que o
sobrinho não traz consigo o dote obriga-o a trabalhar ao seu
serviço.
vv 16-17 Ora
Labão tinha duas filhas; a mais velha Lia… tinha os olhos mortiços,
enquanto que Raquel era esbelta. As filhas eram um bem
patrimonial, por isso se pedia um preço nupcial adequado, o “mohar”(Gn
24,53; Ex 22,15-16; Dt 22, 28-29). Ou então pediam-se serviços (1Sam
17,25; 18,25-27).
vv.18-20
Jacob amava Raquel… servir-te-ei sete anos por Raquel… pareciam-lhe
poucos dias tanto era o seu amor por ela. O autor quer mostrar
que Jacob era capaz de amar, servir por amor, e esperar
pacientemente o seu momento. Óptimas qualidades para um patriarca.
vv 21-22.
Terminados os sete anos, Jacob pede a sua esposa e Labão celebra a
festa.
vv.23.25a. E
aconteceu que tomou a filha Lia e a conduziu a ele e ele uniu-se a
ela... porém, de manhã ele viu que era Lia. A obscuridade da
noite não permitiu a Jacob dar-se conta do engano, tal como o pai
Isaac não viu o engano do seu filho Jacob. No Lv 18,18 proíbe-se o
casamento com uma irmã da mulher devido ao ciúme que se sabiam
decorrente da situação, mas Labão justifica-se apelando a uma
tradição local.
vv. 25b-27 Jacob
reage justamente porque se sente enganado e pede Raquel. Labão
tranquiliza-o dizendo que terminada a semana nupcial terá Raquel,
mas deverá trabalhar para ele ainda mais sete anos. Jacob aceita por
amor e servirá outros sete anos. Para o autor, é assim que Jacob se
resgata de haver enganado o seu pai.
v.30 Ele
(Jacob) uniu-se também a Raquel e amou Raquel mais que Lia.
Com esta narrativa o autor reabilita Jacob; este obedece ao pai
Isaac, é determinado mas sabe ter paciência, tem temperamento de
líder que toma a iniciativa mas não desdenha servir por um longo
período.
Um patriarca, de facto,
deve dar sempre o exemplo para as gerações futuras, mesmo se já não
é apresentado como um herói, mas como um homem comum com as suas
fragilidades.
O autor acredita que
toda a história está nas mãos de Deus e não nas dos homens, mesmo se
estes são co-protagonistas com Ele.