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Jacob serve por amor

uns longos catorze anos

 
Génesis 29, 1 - 30
 

Nicoletta Crosti

 

O autor do capítulo quer dar uma imagem positiva de Jacob que, apesar de possuir um temperamento rebelde e usurpador (Gn c.27), demonstra estar pronto a servir por amor e ter o temperamento de um líder.

O autor ensina, mais uma vez, que quem engana será enganado, pois Deus não preza os enganos, mesmo aqueles perpetrados pelos patriarcas.

A primeira cena (vv. 2-14) desenvolve-se à volta de um poço. Nas terras áridas, os poços eram lugar de encontro, onde se trocavam notícias e mercadorias. À volta dos poços desenvolvia-se um misto de dar e receber, firmavam-se as alianças e os contratos matrimoniais.

Na tradição hebraica, o poço não era um sítio banal, mas um lugar de alto valor simbólico. De facto, numa terra árida como a Palestina, a presença da água viva do poço era considerada um dom especial de Deus.

Não é por acaso que João no capítulo 4º situa o seu discurso teológico sobre o “dom de Deus” à volta de um poço, na Samaria, num contexto nupcial.
Neste capítulo do Génesis, Jacob encontra num poço a sua esposa, como já tinha acontecido a Isaac, através do seu servo (Gn 24,12-15), e como acontecerá a Moisés (Ex 2,15-22). Pode dizer-se que na tradição bíblica o poço está ligado a um amor conjugal (veja-se Ct 4,12.15.).

v. 1 Depois Jacob pôs-se a caminho… Jacob deixa Betel, onde tinha tido uma revelação de Adonai, e dirige-se em direcção às regiões dos filhos do oriente, isto é Haran. Parece caminhar às cegas; é obrigado a pedir informações.

v.2 Viu um poço no campo… mas a pedra da boca do poço era grande. A pedra posta sobre o poço tinha a função de impedir a queda de material inquinante. Mas o autor faz notar que neste caso a pedra era grande; está de facto preparando a entrada em cena de Jacob.

v. 4-5 Jacob perguntou-lhes: Meus irmãos, donde sois?... conheceis Labão filho de Nacor? Jacob é pastor de profissão ( Gn 25,27), encontra-se pois no seu ambiente ao chamar os pastores irmãos. A resposta positiva dos pastores faz Jacob perceber que chegou ao destino.

v. 6 Aí vem a filha Raquel com o rebanho. Este é colocado pelo autor para sublinhar a coincidência da chegada simultânea de Jacob e de Raquel ao poço. Para o autor, esta coincidência não é casual, mas vem da vontade de Deus.

As coincidências banais construídas por Deus não afectam a livre vontade do homem, que face a elas faz a sua escolha: tira proveito delas, aceita-as ou rejeita-as

v. 7 …dai de beber aos animais e ide apascentá-los. Admira ver Jacob, o estranho, dar ordens aos pastores que não são seus. Quer afastar os pastores? Quer demonstrar que é um líder? Os pastores lhe dirão que ele não conhece a situação (v.8).

v. 10 Quando Jacob viu Raquel, filha de Labão, irmão da sua mãe… removei a pedra da boca do poço. Jacob não perde tempo e de modo decidido comete um acto de galanteria, dando de beber ao gado de Labão em vez de Raquel. Resulta claro que Jacob tem uma força física muito superior ao normal; é capaz de, sozinho, deslocar uma pedra que costumava ser movida por vários pastores. É dito três vezes que Labão é tio de Jacob e por consequência Raquel é sua prima direita.

Esta ênfase quer significar que Jacob, depois de ter enganado o pai, quer agora obedecer-lhe até ao fim, casando com uma mulher do mesmo clã.

v. 11 Depois Jacob beijou Raquel, soltou um grito e pôs-se a chorar em alta voz. O autor faz precipitar os acontecimentos e relata um amor à primeira vista. Jacob mantém um carácter impulsivo e decidido. Beija Raquel sem mesmo lhe dizer quem é e descarrega a sua tensão num pranto libertador.
vv. 12-14 Jacob revela a sua identidade e a filha corre a contar tudo ao pai Labão. Este acorre ao encontro do sobrinho e parece muito acolhedor.

v. 15 Labão disse a Jacob… indica-me qual deve ser o teu salário. A afectuosidade de Labão é apenas aparente, quando se dá conta que o sobrinho não traz consigo o dote obriga-o a trabalhar ao seu serviço.

vv 16-17 Ora Labão tinha duas filhas; a mais velha Lia… tinha os olhos mortiços, enquanto que Raquel era esbelta. As filhas eram um bem patrimonial, por isso se pedia um preço nupcial adequado, o “mohar”(Gn 24,53; Ex 22,15-16; Dt 22, 28-29). Ou então pediam-se serviços (1Sam 17,25; 18,25-27).

vv.18-20 Jacob amava Raquel… servir-te-ei sete anos por Raquel… pareciam-lhe poucos dias tanto era o seu amor por ela. O autor quer mostrar que Jacob era capaz de amar, servir por amor, e esperar pacientemente o seu momento. Óptimas qualidades para um patriarca.

vv 21-22. Terminados os sete anos, Jacob pede a sua esposa e Labão celebra a festa.

vv.23.25a. E aconteceu que tomou a filha Lia e a conduziu a ele e ele uniu-se a ela... porém, de manhã ele viu que era Lia. A obscuridade da noite não permitiu a Jacob dar-se conta do engano, tal como o pai Isaac não viu o engano do seu filho Jacob. No Lv 18,18 proíbe-se o casamento com uma irmã da mulher devido ao ciúme que se sabiam decorrente da situação, mas Labão justifica-se apelando a uma tradição local.

vv. 25b-27 Jacob reage justamente porque se sente enganado e pede Raquel. Labão tranquiliza-o dizendo que terminada a semana nupcial terá Raquel, mas deverá trabalhar para ele ainda mais sete anos. Jacob aceita por amor e servirá outros sete anos. Para o autor, é assim que Jacob se resgata de haver enganado o seu pai.

v.30 Ele (Jacob) uniu-se também a Raquel e amou Raquel mais que Lia.
Com esta narrativa o autor reabilita Jacob; este obedece ao pai Isaac, é determinado mas sabe ter paciência, tem temperamento de líder que toma a iniciativa mas não desdenha servir por um longo período.

Um patriarca, de facto, deve dar sempre o exemplo para as gerações futuras, mesmo se já não é apresentado como um herói, mas como um homem comum com as suas fragilidades.

O autor acredita que toda a história está nas mãos de Deus e não nas dos homens, mesmo se estes são co-protagonistas com Ele.

   
 

Tradução: Ana Luísa Teixeira

   
 

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