Os autores do livro do Génesis sentiram a
necessidade de reunir as tradições dos patriarcas, sem datação
histórica, com o acontecimento histórico do Êxodo, o evento fundante
da história de Israel em meados do século XIII a.C. Por isso
utilizaram uma tradição antiga para uma história à parte, que fazia
situar Jacob e os seus filhos no Egipto. A narrativa segue o modelo
do típico motivo de uma “história de irmãos”, própria da literatura
do Médio Oriente Antigo. Trata-se de uma história completamente
laica. Deus parece ausente, mas as personagens são crentes. O
protagonista é José, uma figura ideal com muitas qualidades, forte e
equilibrado. É o inocente que sofre e que sabe reconhecer a acção de
Deus através dos acontecimentos. A tradição patrística vê em José a
figura de Cristo, vendido por Judá e tornado o salvador dos irmãos.
Toda a história de José é o reconhecimento de
uma providência de Deus, sempre presente, que age ainda que através
do mal realizado pelos homens. Por isso a história humana leva
sempre consigo um gérmen de salvação e de renascimento.
v. 1 Jacob
estabeleceu-se no país onde o seu pai fora estrangeiro.
Terminara o nomadismo dos patriarcas com o seu
respectivo significado teológico. Jacob tornara-se sedentário.
v.2a Esta é a
história dos descendentes de Jacob. José com a idade de dezassete
anos era pastor do rebanho em conjunto com os seus irmãos. A
história de José começa com a fórmula estereotipada do livro do
“toledot” (genealogias) da tradição sacerdotal. A referência
a Jacob serve para dar unidade à história, é o pai de quem tudo
parte e que continua a estar presente, morrerá apenas quando a
história de José se concluir.
A palavra irmãos é importante, reaparecerá 19
vezes neste capítulo. A família é apresentada como unida pelo
trabalho.
v.2b
José relatou ao pai a má fama a respeito dos seus irmãos.
De súbito assinala-se um atributo
negativo da família, não obstante trabalharem em conjunto.
v. 3 Israel
amava José mais do que todos os seus filhos ... tinha-lhe feito uma
túnica de mangas compridas. É corrente na literatura o tema da
predilecção de um progenitor por um dos seus filhos. Já se
encontrava com os progenitores de Jacob e de Esaú (Gn 25,28). As
mangas compridas (Trad. Literal: com ornamentos) não se adaptavam ao
trabalho. José era tratado como um princípe. Isto é a base para uma
desigualdade injusta entre os irmãos.
v. 4 Os seus
irmãos odiavam-no ... e não podiaam falar-lhe amigavelmente. A
desigualdade desencadeia a inveja. A “fraternidade” é infringida.
v. 5 Ora José
teve um sonho e conta-o aos irmãos que passaram a odiá-lo ainda
mais. Os sonhos caracterizam José, aparecem sempre aos pares.
São sonhos profanos que podem ser entendidos como uma profecia, ou
como expressão de uam atitude de superioridade. É neste sentido que
os irmãos os entendem. Para os antigos, o sonho era um acontecimento
muito sério, que ninguém vivia como uma coisa pessoal, mas que
deveria ser partilhado. Na Bíblia há ainda uma tradição diferente
que considera os sonhos vãos e enganadores (Sir 34,1-7; Jr 29,8)
vv. 6-8 ... o
meu feixe ergueu-se e ficou de pé e os vossos feixes ...
prostraram-se diante do meu ... odiaram-no ainda mais.
José parece não se dar conta do absurdo do seu
sonho, sendo ele o penúltimo da família.
vv.9-11 … o
sol, a lua e onze estrelas prostraram-se diante de mim ... É o
segundo sonho, que escandalizou o pai, que disse: quererás reinar
sobre nós? O autor quer levar o leitor a dar-se conta da inveja
que se está acumulando, e que torna compreensível a violência dos
irmãos que irá seguir-se.
vv. 12-17 Jacob
envia o filho José aos irmãos para saber como vão as coisas. José
comporta-se como filho exemplar e diz: estou pronto. E obedece
imediatamnete ao pai, apesar de saber que era odiado pelos irmãos.
Faz cerca de 80 kilómetros e vai de Hébron a Siquém e já com algum
cansaço descobre que os irmãos estão ainda mais a norte, em Dotain,
onde os encontrou.
v. 18-20 Eles
viram-no de longe e ... planearam matá-lo ... eis o sonhador ...
matemo-lo e lancemo-lo em alguma cisterna. Os irmãos ruídos de
inveja, não deixam escapar a ocasião de terem José, sózinho e
indefeso, nas suas mãos, decidem eliminá-lo. Repete-se o
acontecimento de Cain, que não sabe defender-se do demónio que está
à sua porta e obrigará Deus a fazer-lhe a pergunta: onde está o
teu irmão Abel? (Gn4,3-12).
v. 21-22 Mas
Ruben intervem e quer salvá-lo ... não derrameis o sangue. O
autor quer amenizar a maldade dos irmãos e demonstrar que Rúben, o
mais velho, está disposto a proteger o mais novo e a salvá-lo
vv. 23-27 A
maldade dos irmãos, agora suavisada pelas palavras de Rúben, levou
finalmente a lançar José numa cisterna, mas sem água, depois de lhe
terem tirado a túnica do privilégio. José não reage, não se lamenta,
não tenta defender-se, é vítima da situação. A providência de Deus
vem em sua ajuda e apresenta aos irmãos uma solução inesperada;
aparece uma caravana de Ismaelitas em direcção ao Egipto. Escutando
a proposta de Judá, os irmãos decidem vender-lhes o irmão, não se
manchando assim por um delito grave. Os irmãos não se dão conta de
que será o seu próprio acto de entregarem José que actualizará a
profecia dos sonhos. Na narrativa sente-se a ironia do autor.
v.28 … por
vinte siclos de prata venderam José aos Ismaelitas. Assim, José foi
conduzido ao Egipto. 20 siclos é o preço fixado na lei para
satisfazer um voto relativo a um jovem com menos de 20 anos (Lv
27,4)
v. 29 Ruben
voltou à cisterna mas José já lá não estava. Então rasgou as suas
vestes ... Rúben, o mais velho, está
agora numa situação desesperada, como irá justificar-se diante do
pai?
v. 31-32
Degolaram um cabrito e mergulharam a túnica no sangue ... Ao
mesmo tempo, os irmãos tramam uma vingança cruel para com o pai que
privilegiava José. Através da famosa túnica, que, sendo belíssima,
passa a tornar-se num sinal de morte. A túnica ensanguentada tinha
ainda um alcance jurídico, pois que valeria como prova de morte por
agressão de boi ( Ex 21,28). Os irmãos souberam assim desculpar-se.
v.33 José
foi despedaçado! Jacob rasgou as suas vestes ... É comovente e
trágico o grito do pai. Jacob, que tinha enganado o seu pai (Gn 27),
agora é, por sua vez, enganado.
v. 34-35 Jacob
faz o luto mas não quer viver mais, tão forte é a sua
dor.
O capítulo termina de modo trágico. Rúben, o
irmão mais velho, José, o irmão roubado à família, Jacob, o pai,
estão em sofrimento.
Um delito contra a fraternidade traz sofrimento a
todos. A fraternidade é dom de Deus. Com a sua graça vencem-se os
demónios que tentam destruí-la. Mt
23,8-11