O episódio de Judá e Tamar, narrado neste capítulo, é exterior à
história de José. Foi aqui incluído de propósito, numa data
posterior, para lembrar que, na história da salvação, a primazia
entre os filhos de Jacob, não é de José, mas de Judá (ver Génesis
49,8-12), no que respeita à linhagem davídica e portanto do Messias.
vv. 1-6 Naquele tempo, Judá separou-se dos irmãos …São
narrados os antecedentes necessários para se perceber o facto: Judá
parece ter deixado a zona montanhosa de Efraim para chegar à
planície cananeia. Como consequência, Judá casa com uma cananeia e o
mesmo fará o seu primogénito.
v. 7 Mas Er, o primogénito de Judá, era mau aos olhos do
Senhor que fez com que ele morresse. A morte prematura de Er é
lida pelo autor como "castigo de Deus". Uma vida longa era uma
expressão da bênção de Deus.
v.8 Então Judá disse a Onan: aproxima-te da mulher do teu
irmão, cumpre o direito de levirato e assegura assim uma
descendência ao teu irmão. O costume do levirato, segundo o qual
uma mulher que enviuvasse sem filhos homens, deveria ser dada como
esposa a um cunhado ou a outro membro da família, era baseado numa
lei. (Dt 25,5-6). No Antigo Testamento este costume
encontra-se referido aqui e no livro de Rute (cap.3-4). Recordam-no,
também, os evangelistas (Mt 22,24; Mc 12,19; Lc 20,28). O levirato
era um direito da viúva e um dever dos irmãos do marido. Quem se
recusava a cumprir este dever era punido. (Dt 25, 7-10). Esta
norma foi criada não só para conservar na família o património, do
qual a mulher era parte integrante, como também para proteger as
jovens viúvas sem filhos contra as restrições económicas e da
marginalização social. De facto, a viúva era a mais pobre dos
pobres, uma vez que não pertencia a ninguém, nem ao próprio pai de
quem se tinha separado para se casar, nem a um marido, alem de se
tornar refém dos parentes que lhe exigiam o que quer que fosse. Por
isso Deus é duríssimo contra quem maltrata as viúvas (Ex 22,21).
v. 9-10 Mas
Onan derramava no chão o sémen …Onan sabia que o filho não seria
considerado como seu, mas como filho do irmão que tinha morrido, e
sabia que ficaria com a herança devida ao primogénito. Por isso
decide dispersar o esperma, uma falta de solidariedade com a
cunhada. O onanismo era considerado um pecado gravíssimo porque
correspondia ao matar da vida; era contrário ao primeiro mandamento
da Torah “sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1,28). Por isto o
Senhor faz com que Onan morra. Veja-se Lv 15,16-18, o homem que
tenha uma emissão seminal é imundo.
v. 11 Retorna
a casa do teu pai …Judá comporta-se de modo incorrecto, deveria
manter Tamar na sua casa e depois dá-la ao filho Chelà. Mas Judá
teme perder também o seu último filho e arranja o pretexto da sua
jovem idade.
vv. 12 Enquanto
isso Judá fica viúvo e não se interessa mais por Tamar.
vv. 13 Quando
Tamar vem a saber que Judá se aproxima da sua casa para tratar dos
seus assuntos, e sentindo-se traída por não ter sido dada como
esposa a Chelá, para conseguir obter justiça, tece uma armadilha.
Por outro lado, segundo a lei do levirato, Judá tendo ficado viúvo
deveria desposar Tamar.
v. 14 Então
Tamar depôs as vestes de viúva e cobriu-se com o véu …Tamar urde
a sua trama vestindo-se como uma mulher casada.
vv. 15-16a
Judá viu-a…não supunha, de facto, que fosse a sua nora …Judá
sendo viúvo podia ir às prostitutas, era até uma acto normal pelo
que se ofereceu à mulher.
vv-17-19 Esta
disse: que me darás…? Dá-me um penhor…o teu selo, o teu cordão e o
bordão. Tamar é muito astuta, é ela que corajosamente estabelece
os termos da transacção. Pedindo um penhor, pode prender Judá, no
caso de ficar grávida.
Segundo o autor, Judá, que traiu o seu irmão José
(Gn 37, 26-27), é por sua vez agora traído..
Na história da salvação pagam-se as maldades.
vv. 20-23 Judá
manda o cabrito como combinado, mas não mais se encontra com a
prostituta, da qual ninguém sabe. A palavra prostituta aqui
usada indica a ‘prostituta consagrada’. Era um costume cananeu; eram
mulheres que por voto se entregavam a um estranho, como sacrifício
da própria castidade. Costume condenado no Deuteronómio (23,18-19)
e em Oseias (4,12-14).
vv. 24 Tamar
a tua nora está grávida pelo seu meretrício… trazei-a para que seja
queimada! Judá de facto não a considerva mais como nora, tinha-a
injustamente mandado para casa. Mas perante as outras pessoas
permanecia como nora e o seu meretrício era uma vergonha
inadmissível. É por isso que a reacção de Judá é violenta.
vv. 25 Tamar
envia agora secretamente os penhores recebidos de Judá para o fazer
perceber que foi ele quem a engravidou. É uma atitude delicada feita
de modo privado para não fazer enfurecer mais o sogro.
v. 26 Judá
disse: essa é mais justa do que eu porque não a dei a meu filho
Chelá. Judá tem a coragem e a humildadde de declarar o seu
pecado e de mostrar a inocência de Tamar. O mesmo fará David (2 Sm
12,13) e Deus lhes perdoará. Judá retomará Tamar junto a si como
nora e por isso não mais terá relações sexuais com ela.
Judá não é um herói mas um homem comum, um
pecador , como Abraão (Gn 12,18-19), como Jacob (Gn 27,19), como
David. De facto, os autores do Antigo Testamento insistem em dizer
que
A história de Israel não é conduzida pelos
heróis, como as histórias pagãs, mas pelo próprio Adonai através das
misérias dos homens.
vv. 27-30 Tamar
gera dois gémeos: Peres e Zera. Peres é o antepassado de David
através de Booz, o marido de Rute, cuja história é muito semelhante
à de Tamar. Retoma-se o tema do “menor” escolhido por Adonai para o
seu plano de salvação.
O autor apresenta Tamar como uma personagem muito
positiva, porque demonstra fidelidade à família do marido e tenta
dar-lhe uma descendência. Tamar entende concretamente qual é a
vontade de Deus e realiza-a. Pode dizer-se que é uma matriarca.