A história de José continua e
anima-se.
Ocorre uma mudança de
perspectiva em relação ao capítulo anterior. Retoma-se o tema
fundamental da história, que é uma história de irmãos e da sua
relação (vd. capítulo 37). O termo irmãos aparece repetido
frequentemente. Veja-se Mt 23,8: Não vos deixeis tratar por
mestre (...) vós sois todos irmãos.
vv. 1-2
Jacob disse aos seus
filhos (...) há trigo no Egipto. Ide lá comprá-lo para que
continuemos vivos e não morramos.
Repare-se na figura de Jacob, homem de acção, que quer que os filhos
sejam homens responsáveis e enfrentem a penúria. Será este sentir-se
responsável que permitirá a Adonai mostrar-se como o Deus da vida
numa situação de morte. O Egipro era o celeiro do mediterrâneo,
especialmente para a Palestina em tempo de carência.
v. 4
Jacob quer ter consigo
o filho Benjamim, o último filho da esposa que já não existe. Teme
perdê-lo, como já acontecera com José.
v. 6
Ora José tinha autoridade no país (...) os irmãos prostraram-se
diante dele.
Os irmãos não sabem que, de facto,
estão a realizar os sonhos do c. 37 (vv.6-10).
v. 7-8
José vê os seus irmãos e reconhece-os, mas mostra-se estranho.
Por duas vezes se diz que José reconhece os irmãos, mas estes não o
reconhecem. É uma técnica narrativa muito comum, esta de ter dois
personagens que não conhecem a situação, enquanto o leitor a
conhece. Isto cria uma expectativa no leitor que espera poder ver
acontecer esse reconhecimento. José quer levar por diante um plano
que permaneça, porque, por um lado, não quer aproveitar-se da
humilhação dos irmãos, que por causa da fome se prostram diante
dele, mas, por outro lado, quer uma reconciliação profunda e
verdadeira dos irmãos com ele.
v. 9
José (...)
dise-lhe: vós sois espiões! José acusa-os do delito de
espionagem, uma acusação gravíssima. Ao leitor, isto aparece como um
comportamento sádico, mas na realidade faz parte de um plano preciso
e que visa o bem.
vv. 10-11
Eles responderam: não senhor, os teus servos (...) nós somos
todos filhos de um único homem. Os irmãos apresentam-se
com muita humildade, dizem-se servos e refutam a acusação,
fazendo notar que são todos irmãos de uma mesma família. Não é,
pois, verosímel que venham mandados como espiões dez irmãos em
conjunto.
v. 12
José insiste porque
quer fazê-los falar da família
v. 13
(...) o mais
novo ficou junto do nosso pai e um outro já não existe. Os
irmãos respondem, mas de modo demasiado vago.
vv. 15-17
José disse (...) vós sois espiões. Por isso vos porei à prova
(...) vós ficareis prisioneiros.
José intimida-os e faz-se de duro,
por uma razão precisa: quer pôr à prova a solidariedade entre
os irmãos e ver quem fica e quem vai.
Quer uma solidariedade
maior do que aquela que ocorreu com o irmão vendido como escravo.
José quer ajudar os irmãos a arrependerem-se, atitude necessária
para receber o perdão (Lc 17, 3-4). Por outro lado, o hebreu
sabe que deve prestar contas a Deus do seu empenho em converter os
pecadores (Ez 33,8-9; Lv 19,17-18).
Deus não quer a
morte do pecador mas quer que se converta e viva
(Ez 33,11)
vv. 18-20
José disse-lhes (...) eu respeito Deus (...) um dos vossos
irmãos fica prisioneiro e vós parti a levar o trigo (...)
depois trazei-me aqui o vosso irmão mais novo. José justifica a
mudança de programa com uma razão ética: o respeito a Deus. José não
quer retribuir o mal com o mal, não se vinga; pelo contrário, não
quer que em casa morram de fome. Por isso decide fazer um único
refem.
vv. 21-22
Disseram entre
si (...) é certo que sobre nós pesa a culpa em relação ao nosso
irmão (...)
mas isto vem juntar-se à nossa angústia. Por fim, os irmãos em
voz alta, falando entre si, sem saber que José os compreendia,
admitiram ter pecado na relação com o seu irmão José. Compreendem
que o que lhes acontece depende do seu pecado.
Têm pena disso, mas não vêem caminho de saída.
vv. 24-26
Então José comove-se até às lágrimas, porque vê a conversão dos
irmãos e, portanto, uma possibilidade de uma autêntica
reconciliação. O seu plano teve sucesso. José não impõe aos irmãos
uma pena; mas, pelo contrário, oferece-lhes o trigo como gesto de
perdão, além de outras provisões para a viagem. O Filho de Deus
colocar-se-á nesta mesma linha da gratuidade do perdão, que supera a
justiça humana segundo a qual para cada culpa deve corresponder uma
pena. Jesus durante a sua paixão continuou a amar os seus
perseguidores, mas não pôde dar o seu perdão directamente a nenhum
deles, porque nenhum se sentia pecador e o tinha reconhecido.
Todavia, sabendo que, dentro de pouco tempo, estaria morto e não
poderia mais perdoar, pôs o seu pedão nas mãos do Pai para que ele o
desse a quem se convertesse (Pai, perdoai-lhes (...) Lc
23,34).
Isso aconteceu aos pés da cruz ao centurião, pagão,
responsável directo pela crucifixão, que, inesperadamente, se dá
conta de ter agido injustamente, converteu-se, e glorificou a Deus
(Lc 23,47).
Sem a conversão do
coração não
se aceita o perdão e não há verdadeira reconciliação.
vv. 27-28
Restituiram-me o dinheiro (...) Que coisa é esta que Deus nos
fez? Para o autor, Deus entra sempre na história dos homens,
Deus tinha-os protegido tendo conseguido obter o trigo, mas o
dinheiro no saco poderia ser motivo de acusação e os irmãos têm
medo.
vv. 29-35
Vêm contar ao pai Jacob toda a aventura e descobre-se que todos os
irmãos têm nas suas bolsas o dinheiro restituido.
vv. 36-38
Jacob tem uma reacção infantil, só pensa em si. Ruben descobre que
a situação está bloqueada e oferece-se como garantia do irmão,
enfrentando frontalmente a situação.