O capítulo liga
quanto precede com a sequência das “pragas”. Estão presentes as
personagens principais do drama do êxodo: Moisés e Aarão, servos
de Adonai, o faraó (o opressor, símbolo de todo o poder
imperial), os israelitas (os oprimidos) e Adonai. Tudo se
desenrola no Egipto mas não como se esperaria.
Israel, de facto, não
quer sair do Egipto, contenta-se na sua vida egípcia.
Mas Deus não. Não se
contenta, quer fazer com que Israel conheça a liberdade, aquela
que é a verdadeira.
O autor utiliza a narrativa histórica como metáfora da história
da humanidade, em que o mal e o bem se confrontam através de
figuras invariáveis presentes também na história contemporânea.
Nesta luta, não são só intervenientes as criaturas de Deus, mas
também e, em primeiro lugar, Deus e o seu ‘inimigo’ , a força do
mal. Agem ambos através dos seus “servos”.
A situação descrita pelo autor faz pensar nas dificuldades no
tempo de Neemias (sec. V a.C.), com que este deparou no conflito
entre os repatriados do exílio e a população local (“o povo da
terra”), numa situação de disparidade económica, que vinha dos
judeus escravos dos seus irmãos judeus. (Ne 5, 1-13).
v. 1-2
“Assim falou o Senhor…deixa ir o meu povo”. É uma oração na
forma imperativa. Adonai apresenta-se, pela primeira vez, como o
Deus de Israel. Adonai não entra na lista dos deuses que são
reconhecidos pelo faraó, nem tem autoridade sobre o território
do Egipto e, nem sequer, obtém resposta negativa do faraó. Ao
faraó não interessa o pequeno deus dos escravos.
v. 3 “
…para que não nos golpeie com a peste ou a espada.” Moisés e
Aarão insistem, não obstante a resposta negativa do faraó,
explicando que o seu Deus tem poder de vida e de morte sobre o
seu próprio povo e que até ao faraó convém obedecer, se não
quiser perder os seus escravos hebreus.
Adonai é o soberano que
concede aos seus servos uma festa em sua honra, enquanto o faraó
concede aos seus servos mais trabalho forçado.
vv. 4-5
“Porque distraíste o povo dos seus trabalhos?” O faraó só
compreende o trabalho e considera Moisés e Aarão como
agitadores. O repouso dedicado ao culto torna-se para ele uma
agitação intolerável.
O faraó tem medo do
número dos israelitas (veja-se Ex 1, 9-10) e pensa que a dureza
do trabalho fará diminuir a fertilidade dos Hebreus.
vv. 6-7
“Não dareis mais a palha ao povo …mas devereis exigir que façam
o mesmo número de tijolos que faziam antes”. A ordem do
faraó dirige-se quer aos supervisores, atormentadores, quer aos
escribas. Estes últimos, os intelectuais de Israel, são chamados
a controlar os seus irmãos: provavelmente tinham sido escolhidos
de entre os anciãos, os mesmos a quem Moisés tinha comunicado o
programa de liberdade de Deus. Aqui, os escribas comportam-se
como “colaboracionistas”, aspecto bem documentados no mundo
antigo (vejam-se 2 Rs 23,35 e também Nm. 5,14-19), e não só. A
palha vinha junta com a argila para assim dar consistência ao
tijolo.
vv. 7-9
“Porque são preguiçosos, por isso protestam”. O faraó
escarnece demonstrando a sua crueldade e pensando resolver o
problema utilizando a violência.
v. 10-11
“Assim fala o faraó…” Os supervisores e os escribas, juntos,
falam ao povo. Os escribas não têm a coragem de contestar logo o
faraó e de fazer notar o absurdo da sua exigência. A arrogância
do poder só provoca outra violência. (1 Rs 12,1-19).
vv. 12-14
Naturalmente a dispersão dos israelitas (em busca da palha)
impede-os de levar a bom termo a produção do número de tijolos
exigida, o que tem como resultado que os escribas são
censurados, eles que tinham sido escolhidos e promovidos. O seu
colaboracionismo não aparece apaziguado e sobre eles se
desencadeia uma nova violência. O autor ironiza, assim, através
destas figuras ambíguas.
vv. 15-16
“Porque tratas assim os teus servos?…a culpa é do teu povo”.
Os escribas são vistos como “servos” do faraó, são súbditos
obedientes e só contestam a falta de palha e descarregam a culpa
sobre o povo (chamado o povo do faraó), lamentando-se de terem
sido açoitados em vez dele. Só estão preocupados em não perder o
seu posicionamento de privilégio, são fidelíssimos ao status que
lhes convém. Os “cabos de esquadra” são escolhidos pelo poder
para que possam dividir, tanto no Egipto como em Auschwitz.
Os
israelitas não contestam a ditadura, entre Adonai e o faraó
escolhem o faraó, de quem querem permanecer escravos, preferem
não arriscar.
vv. 20-21
“ que o Senhor repare em vós e julgue... porque nos tornaste
odiosos aos olhos do faraó”. Os escribas intentam um
processo contra Moisés e Aarão, pondo Adonai em causa. Com isto
renegam a autoridade de Moisés e Aarão e, consequentemente, a
palavra de Adonai. Quiseram que Adonai estivesse ao serviço do
faraó, em defesa de um status de opressão.
vv. 22-23
“Meu Senhor porquê… porquê … porquê? ” Moisés considera Deus
responsável pelos acontecimentos. Por que é que Adonai faz
sofrer este povo, que prometeu libertar e depois não o faz? É o
drama do profeta, que não vê realizado o seu mandato. (Jer
15,10-11 e 15-18; 20,7-10).
A prece de Moisés é
também prece de intercessão pelos pecados dos outros, que se
repetirá em frente ao vitelo de ouro (Ex 32,11-14. 30-32),
e que entrará na tradição bíblica (Sl 106,23).
Israel símbolo de cada
pessoa humana, tem medo da liberdade, porque significa
responsabilidade. Israel não entende que só Adonai, o deus da
liberdade, torna os seus servos completamente livres.
Israel prefere
permanecer parasita do sistema, do que tornar-se nómada no
deserto. Seja por uma espécie de complexo de inferioridade, ou
por uma secreta admiração, Israel procurará a sua segurança no
seio dos seus opressores, Egipto ou Babilónia, Síria ou Roma.
Diante desta
resistência interior. Deus não age, respeita a liberdade das
suas criaturas.
Será a mesma a
tentação da primeira igreja dividida entre judeus e cristãos
provenientes do paganismo. Querendo anular o evangelho da
liberdade proposto por Paulo em relação às obras da Lei (Gl
5,1-12), alguns cristãos reprovam a Paulo, como a Moisés, o
minar a segurança do rebanho que lhes tinha sido confiado.