© "Via sacra"  Bill Ross
 

Março - 2009

 

A Tua Palavra Ilumina os Meus Passos

 

Génesis

Do Mito à História
Génesis 11, 10-32

e Génesis 12,1

   
Autora: Nicoletta Crosti
 

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O Mito da construção da torre de Babel mostra como toda a cidade que é construída prescindindo de Deus, se auto-destrói. Tal insucesso é consequência do mau uso da liberdade que o homem e a mulher receberam como dom. Deus, na sua infinita misericórdia, e num acto totalmente gratuito, vem em seu socorro.

Assim se inicia a história da salvação

Deus começa por chamar Abraão e formará depois um povo, o povo hebreu. Este deverá ser servidor fiel da sua Palavra, para levar a toda a gente a fé no Deus único e salvador.

O povo hebreu é originário da zona Noroeste da Mesopotâmia, onde estavam imigrados os Aramaicos, semitas.

vv. 10-26. Apresentam a genealogia de Abraão, com um género literário antiquíssimo dito das gerações. Esta genealogia sublinha a passagem de um discurso mítico dos primeiros capítulos do Génesis à verdadeira história (cerca 1850 a. C.).

 O Deus de Abraão é primeiro que tudo o Deus da História

vv. 27-32. A família de Tera, pai de Abraão, vem apresentada como sendo originária de Ur dos Caldeus na Mesopotâmia. A família emigra para se fixar em Haran, a Norte da terra de Canaã. A incongruência histórica (os Caldeus não existiam no tempo de Abraão) e a contradição com o v. 4 do c. 12, que considera Haran a pátria de Abraão, não a Ur dos Caldeus, mostram-nos que há no v. 31 uma alusão propositada à situação de Judá na segunda metade do século VI a. C. O evento a que o autor alude é o retorno a Jerusalém dos exilados na região da Babilónia, migração que realça a de Abraão, para tornar pertinente a menção dos Caldeus e de Ur como ponto de partida.

Este retorno a Jerusalém (que dista 1.800 km de Ur) no século V a.C. é visto pelos profetas e teólogos do tempo como um segundo êxodo, uma segunda chamada, depois da do Egipto (veja-se Isaías 41,8-14). Por isso é que se encontra o verbo hebraico sair quando se menciona a cidade de Ur dos Caldeus (veja-se Gn 11, 31 e 15, 7; Neemias 9,7 e Act 7,2-4 ).

A migração de Tera com Abraão e Lot é a primeira migração sobre a estrada da terra prometida, antecipação da migração/saída da terra do Egipto, de algumas famílias hebraicas no século XIII, e exemplo a seguir para os exilados na Babilónia do século V.

Segundo a interpretação hebraica, a saída de Ur dos Caldeus é a saída de um mundo de idolatria. Abraão é a anti-idolatria por excelência.

Génesis 12,1

• O Senhor disse... A expressão usada é idêntica à do acto criativo de Deus (Gn 1, 3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26). Para o autor, de facto, com o chamamento de Abraão, Deus está continuando a criação, está criando uma nova humanidade, que se deverá comportar de modo oposto à de Adão e Eva.

A palavra genérica Deus, usada nos capítulos precedentes, vem substituída aqui pela termo Adonai, o nome próprio do Deus de Israel, traduzido geralmente pela palavra Senhor, que agora começa a manifestar-se e se torna o sujeito da inteira história da salvação.

vai... é o verbo da maior parte das vocações /missões no Antigo Testamento. Deus revela-se com uma ordem, ligada a uma missão para a seguir; é uma revelação interior. Veja-se Ex 3, 9-10; Am 7,14-15; Os 1,2 e 3,1; Is 6,9; Jr 1,7.

No NovoTestamento, o verbo do chamamento/ordem mudará, será: segue-me. Veja-se Mt 8,22; 9,9; Mc 1,17; 2,14; Lc 5,27; 9,59; 18,22; Jo 1,43.

Só num segundo tempo, àqueles que o seguiram e se tornaram seus discípulos o Senhor dirá vão… o mesmo verbo do Antigo Testamento. (Mt 28,18-19; Mc 16,15). Na era cristã, de facto, é preciso primeiro que tudo seguir a Cristo para se tornar descendência de Abraão (Gal 3,29).

A história da salvação começa com um chamamento pessoal, não com um chamamento a um grupo ou a uma comunidade.

O co-envolvimento responsável da pessoa singular é fundamental na história da salvação. Deus precisa disso.

O povo formar-se-á a seguir e será Deus a formá-lo. Será assim também para a igreja, em que primeiro foi chamado cada um dos discípulos e só depois da ressurreição de Jesus se deu a descida do Espírito sobre a comunidade.

contigo próprio… expressão geralmente não traduzida na Bíblia, quer sublinhar a responsabilidade da pessoa, que deve entrar no jogo. Abraão está só diante da escolha de obedecer ou não a Deus bem como diante das provas que encontrará no seu caminho. (veja-se Is 51,2). É a solidão interior própria de cada chamamento.

da tua terra, dos teus parentes, da casa do teu pai… a mudança que é pedida é uma mudança radical, um ir além, uma saída de, um largar (Sl 45,11). Veja-se no Novo Testamento: Mt 4, 19-20 e 22; 19,27 e 29; Mc 1,18 e 20; 10,28; Lc 5,11; 18,28.

para a terra que eu te indicarei. Deus exige de Abraão uma total confiança nele. Abraão deve partir sem saber onde Deus o levará. Abraão não tem nenhum sinal no qual apoiar a sua própria fé; crê naquilo que não vê (Heb 11, 8-9). O acto de fé de Abraão é o protótipo de cada acto de autêntica fé. Abraão é o pai de todos os crentes.

A palavra indicarei está no futuro. Abraão viverá na expectativa das promessas que a pouco e pouco Deus lhe fará.

Por isso, o tempo de Abraão, como para todos os crentes, é o futuro.

As terras, que o Senhor indicará, serão na realidade a terra de Canaan. Esta será a promessa feita a Abraão de uma posse perene (Gn 17,8). É a terra para a qual o autor do Génesis, do século IV  a.C., quer levar os hebreus da Babilónia a voltar, imitando a fé de Abraão.

   

Tradução: Ana Luísa Teixeira

   

   

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