Este
capítulo é um mosaico de várias tradições, todas elas provenientes
de fonte sacerdotal. O centro da teofania está na expressão disseDeus, repetida várias vezes (v.1, 3, 9, 19). A Palavra de
Deus tem aqui a mesma força criadora do Génesis (cap. 1) e dá origem
ao berît, a aliança. Esta expressão percorre este capítulo 14
vezes, um número de plenitude e totalidade (depois do número
perfeito 7) .
A Aliança
é a categoria sustentadora da teologia bíblica.
Diferentemente do capítulo anterior, a aliança não é apresentada
como apenas uma iniciativa exclusiva de Deus mas uma iniciativa de
Deus que envolve também Abraão. Assim é pedido (v.1): caminha à
minha frente e sê íntegro, isto é, inteiramente orientado para
Deus (Jos 24,14-15). A corrente sacerdotal sublinha sempre a
exigência ética do pacto. O parceiro, comprometendo-se, torna-se
sujeito responsável e não um banal objecto de dádiva.
O
capítulo divide-se em três partes: A primeira, do v. 1 ao v. 8: o
Deus de Israel estipula a aliança com Abraão e a sua descendência. A
segunda, do v. 9 ao v. 14 e do v. 23 ao v. 27: Adonai pede a
circuncisão como sinal de aceitação da aliança. A terceira, do v. 15
ao v. 22: é o anúncio do nascimento de Isaac a partir de Sara, a
mulher estéril.
v. 2 Estabelecerei a minha aliança
entre mim e ti... Neste pacto, se é que há
uma anomalia é que não é o fraco que pede ajuda ao forte, mas o
forte (Deus) que quer salvar e proteger o fraco. Então, a fonte do
agir de Deus é uma vontade que se move à compaixão, pelos que são
estrangeiros (v.8) e escravos.
O coração da
revelação bíblica de Deus não é a sua transcendência mas a sua
condescendência.
Segundo os autores do Génesis :
Deus criou o mundo como espaço da relação de aliança
entre Deus e o homem.
O
mundo é aquele paraíso da comunicação entre Deus e o Homem, que este
continua a infringir.
v. 4Não mais te chamarei Abrão, mas
chamar-te-ei Abraão. A mudança de nome é característica do
chamamento ou seja designa a tarefa da pessoa na história da
salvação. Abraão significa “pai de uma multidão” (veja-se Gn 17,16).
Esta expressão aparece repetida e também será referida a Jacob (Gn
28,3; 35,11). Aqui surge o novo conhecimento do pós exílio, o da
dimensão universal da vocação de Israel, que deve fazer conhecer
Adonai e a sua santidade a todas as nações.
v.7 …como aliança perene por ser o teu
Deus e o da descendência depois de ti.
Aparecem dois elementos novos: a aliança é perene e é dada não só a
Abraão mas à sua descendência. Claramente vem explícito que fazer
aliança significa pertencer-se reciprocamente. Israel é propriedade
de Adonai (Es 19,5-6 e Dt 14,2); Adonai é o Deus de Israel (Es
29,45). Veja-se também Lv 25,38; 26,11-13 e 45; Es
6,6-8.
A aliança é
perene porque fundada na fidelidade estável de Adonai.
v. 8 Dar-te-ei o país onde és
estrangeiro...
Os hebreus são o único povo nascido em terra estrangeira, no
deserto, não naquela que será a sua própria terra. Não será a terra
que dará a identidade ao povo, mas a aliança com os respectivos
mandamentos. Por isto pode Israel viver 19 séculos sem terra.
A terra é
dada aos hebreus como um sinal, diante dos povos, de uma relação
redimida do homem com a terra.
vv. 9-14 Da tua parte deves observar a
minha aliança...sejam circuncisos...todos os varões.
Adonai pede a circuncisão no oitavo dia, como sinal perene da
aceitação da aliança da parte de cada indivíduo, como sinal da sua
exclusiva pertença a Deus. A circuncisão não é um rito colectivo de
iniciação como em outros povos, mas um compromisso pessoal. Parece
que a circuncisão se iniciou na Babilónia porque os babilónicos não
se circuncidavam, como não se circuncidavam todos os semitas
orientais, pelo contrario está documentada no antigo Egipto.
Para
os deportados, a observância deste uso tornou-se num testemunho da
sua fé em Adonai.
v. 15Não mais a chamarei Sarai mas Sara. Inicia-se uma nova etapa,
Adonai faz uma declaração que não segue a linha precedente. Dá-se o
pré-anúncio do filho da promessa a Sara. Também esta aparece com o
nome mudado, mas o significado do novo nome é incerto. A tradução
hebraica, baseando-se na vocalização, traduz Sarai como minha
princesa, isto é, princesa para Abrão, mas com a queda da última
vogal a vocação de Sara torna-se a de ser uma princesa para todos.
v.
19E Deus disse…Sara… conceberás um filho e chamá-lo-ás
Isaac. A eficaz palavra de Deus fará nascer um filho do seio
estéril de Sara, e vem até indicada a data do nascimento (v.21). O
nome do filho, Isaac, provém etimologicamente do verbo rir. Por
isto, o tema do riso aparece mais vezes na relação com Isaac .(Gn
17,17; 18,12 e 21,6).
v. 20-21Quanto a Ismael, também te
escutei…mas estabelecerei a minha aliança com Isaac. Deus
responde a Abraão dando-lhe o bem da prole também com Ismael, seu
filho, mas aqui tem de se sublinhar que o filho da promessa é Isaac,
nascido da intervenção directa de Adonai que anulou a esterilidade
de Sara. Fica assim definida a distância entre Ismaelitas e
Israelitas. A Escolha de Deus permaneceu sempre misteriosa.
vv. 23-27 Abraão obedece prontamente,
naquele mesmo dia,e circuncida todos os varões da sua
casa, inclusivamente os escravos não hebreus, que pertencendo ao
senhor faziam um todo com os seus familiares.
No v. 14 sublinha-se a
importância do rito; quem se recusa a fazer a circuncisão não
pertence mais ao povo e será erradicado.