Este
capítulo foi introduzido tardiamente no livro do Génesis. Sugere-o a
falta de referências geográficas precisas, geralmente presentes nas
tradições antigas, assim como o título “Deus do céu e da terra”, que
tem um carácter claramente universalista. O capítulo pretende dar
duas mensagens teológicas:
1.
Deus guia a história da salvação através de acontecimentos e
coincidências banais.
Adonai,
de facto, não tem necessidade de fazer milagres e não gosta de
factos sensacionalistas. Só os olhos da fé fazem pressentir a
presença de Deus face aos acontecimentos comuns. É este o conceito a
partir do qual Israel se começa a afirmar no período do iluminismo
salomónico.
2. A vida e a
oração são imprescindíveis, constituem um todo.
A
espiritualidade rabínica dirá: a aspiração a uma vida de fé
desenvolvida é estar sempre na presença de Deus, caminhar sempre com
Ele.
vv.
1-4 São as últimas palavras de Abraão. O juramento sobre as
partes genitais, ligado à descendência e à vida era um antigo
costume (Gn 47,29) que depois desaparecerá.
Depois
da morte de Sara, Deus quer que a história da salvação continue. Mas
o casamento com mulheres pagãs idólatras era proibido, porque
facilmente teriam feito desviar a fé dos maridos hebreus (Ex
34,12-16; Dt 7,1-4).
vv.
5-9 Abraão é peremptório em não querer que Isaac deixe a terra
prometida, que Adonai quer dar à sua descendência. Abraão, como
sempre, confia em Deus, Ele próprio enviará o seu anjo diante de
ti (v.7) e sabe que Deus intervirá a seu favor.
v. 10
o servo… foi pelas regiões dos dois rios, à cidade de Naor. É
a zona de Haran, na Mesopotâmia superior, onde o rio Balih aflui ao
grande Eufrates. A localidade onde Naor, irmão de Abraão, vive com a
sua tribo (Gn 11,27). Israel sabia-se aparentada com o povo
aramaico.
v. 12
E disse: Senhor, Deus do meu patrão Abraão, concedei-me um
encontro feliz… O servo antes de passar à acção reza, pondo tudo
nas mãos de Adonai.
v. 14
… a jovem a quem direi: baixa a ânfora… e que responderá:
bebe, também darei de beber aos teus camelos… seja aquela que tu
destinaste… O servo usa um critério normal de escolha: a
prontidão feminina em dar ajuda, e uma sensibilidade às necessidades
dos animais. O servo espera que a escolha de Adonai corresponda à
sua. Não aconteceu nenhum prodígio, como, por exemplo, o de Gedeão
com a lã. (Jz 6,36-40).
vv.
15-20 Não tinha ainda acabado de falar… rapidamente baixou a
sua ânfora… rapidamente esvaziou a ânfora no bebedouro… Naquele
instante a prece é escutada, é ainda uma coincidência querida por
Deus. A bênção de Deus vai para além da prece do servo, Rebeca era
também bela e familiar próxima.
v. 21
… à espera de saber se o Senhor lhe tinha concedido ou não o bom
sucesso da sua viagem. Esta expressão é a palavra chave de todo
o capítulo. A concessão de bom êxito às suas próprias acções é a
esperança do crente, que deve sempre ser mantida viva. Mas também
deve estar pronto para aceitar o contrário, porque consciente de
poder não ser capaz de saber o que é melhor para si e para os
outros.
vv.
22-25 Neste ponto, o servo age, comprometendo-se, e dá as jóias
à jovem. Quer seduzi-la para Isaac e só depois a pedirá à sua
família. O pai de Rebeca aqui é Betuel, enquanto que no v. 48 é Naor.
Provavelmente estão aqui duas tradições diferentes integradas na
narrativa.
vv.
26-27 Aquele homem inclinou-se, prostrou-se e adorou ao
Senhor dizendo: bendito seja o senhor, Deus do meu patrão Abraão que
não cessou de usar a benevolência… Para o servo, a oração e a
vida entrelaçam-se. A espiritualidade hebraica pede a cada hebreu
pelo menos cem bênçãos por dia. Uma grande ajuda para permanecer
continuamente na presença de Deus.
vv.
29-32 O autor apresenta Labão como pessoa venal, atraído pelas
riquezas e por isso hospitaleiro para aqueles que lhe dessem
presentes valiosos.
v.
33-38 Não comerei até ter dito aquilo que devo dizer ... o
Senhor abençoou o meu patrão ... Sara deu-lhe um filho… O servo
explica a razão da sua viagem. Não falou da proibição de levar Isaac
para Haran, porque sabia que seria uma ofensa para a família de
Rebeca. O servo faz com que se intua que a família de Rebeca terá
uma lauta compensação porque Abraão é rico e Isaac parece ter-se
tornado no herdeiro de tudo.
v. 39
Talvez a mulher não me siga… É a dificuldade habitual de
todas as vocações, incluída para fazer com que o leitor percebe que
a vocação não foi inventada pelo sujeito envolvido (Ex 3,9-11; Lc
1,34-35).
v.40
O Senhor em cuja presença caminho… O autor quer falar bem de
Abraão.
vv.
42-49 Todo o discurso do servo aponta para concluir que o
desenvolvimento dos factos mostra que é Deus que quer este
casamento. Por isso é sublinhada a resposta imediata de Deus à sua
prece. A prontidão da resposta da jovem corresponde ao de
imediato do apelo de Jesus (Mt 4,19-22). Para colocar em
primeiro plano a parentalidade da jovem no v. 47, o servo inverte os
factos acontecidos; primeiro de facto tinha dado as jóias e depois
tinha perguntado a Rebeca quem ela era.
v. 50
É do Senhor que tudo isto procede… A habilidade do servo
obtém o resultado esperado. Labão, o irmão de Rebeca, e Betuel , o
pai, sentem-se obrigados a dizer sim e concedem Rebeca como esposa.
v. 52
Perante o sucesso da sua viagem novamente o servo reza (Sl
145/144).
vv.
54-56 O servo tem pressa de voltar a casa para concluir o seu
mandato e contradiz aqui o estilo oriental.
vv.
57-59 Chamemos a jovem e perguntemos-lhe… Aqui recorda-se
o desejo da jovem. Rebeca consente. Segundo os costumes do tempo era
a família que decidia o casamento.
v. 60
Os votos correspondem aos costumes orientais: passa a tornar-se mãe
de uma espécie grande e guerreira.
v. 62
Entretanto Isaac regressara do poço de Lacai-Roi. Não está
claro onde acaba a viagem. Abraão vivia em Hebron, mas Lacai-Roi (Gn
16,14) fica muito mais a sul. É estranho que não se fale de Abraão
onde todo o relato tem origem. Teria morrido entretanto (v. 36)?
v. 67
Isaac… recebeu por mulher Rebeca e amou-a. O autor quer
sublinhar que a história da salvação continua segundo um plano
pré-determinado de Deus, que dá a Isaac uma mulher. Aquilo que conta
é a descendência de Abraão; a referência à tenda de Sara é isto que
significa.