Alguns historiadores
pensam que, no tempo dos Juízes (século XIII a.C.), Israel era uma espécie de
aliança sagrada de diversas tribos, uma “anfictionia”.
O vínculo entre as tribos era religioso, não político. Consistia na adoração
colectiva de um único Deus e na submissão aos seus mandamentos. As várias tribos
encontravam-se num santuário comum, onde celebravam juntos as festividades. O
capítulo 24 de Josué dá uma ideia de como era escolhido um santuário comum. No
governo do santuário, as tribos eram representadas por um colégio de 12
“príncipes”. A esta instituição cultual da época dos juízes se referiria o autor
que torna Jacob pai de 12 filhos, os antepassados epónimos das 12 tribos de
Israel.
Outros
historiadores pensam, pelo contrário, que foram os 12 intendentes
estabelecidos por Salomão (1Rs 4,7) a influenciar e determinar, em
data tardia, o número decidido das 12 tribos de Israel (Nm 1,5-15;
26,5-31; Esd 6,17; Ez 47,13).
Estes filhos são
irmãos entre si porque têm um único pai, mas têm mães diferentes (Gn 35,22-26).
Nos capítulos 29 e 30, nasceram apenas 11 filhos, o décimo primeiro nascerá mais
tarde de Raquel (Gn 35,16-18).
Desde os tempos
antigos que o número 12 foi símbolo de totalidade e completude, mais do que um
dado real. O ano tem 12 meses, o zodíaco é formado por 12 signos. Também no Novo
Testamento, o número 12 mantém o mesmo significado simbólico: os 12 apóstolos
(Mt 10,1-4), os 12 cestos (Mt 14,20), as 12 legiões de anjos (Mt 26,53) e várias
vezes no Apocalipse (12,1; 4,4; 7,4; 14,1-3; 21,12.21; 22,2 ).
v. 31
Vendo
o Senhor que Lia não era amada, tornou-a fecunda, enquanto Raquel
permanecia estéril.
Em hebraico a expressão é mais forte, Lia era odiada. Como já
foi lembrado, a prática da poligamia provocava com frequência
situações de ciúme entre as mulheres; de facto o marido tinha sempre
preferências. Por isso, em
Dt
21,15-17 se regula o direito de primogenitura.
Aqui, Adonai intervém para reequilibrar uma
situação injusta
v. 32
Lia…
deu à luz um filho, ao qual deu o nome de Rúben
[filho-vede]... “O Senhor olhou para a minha humilhação.” O autor
quer passar a mensagem de que os filhos de Lia são duplamente queridos por Deus,
porque é ele que faz gerar e porque é ele que vem fazer justiça.
v. 33
Concebeu outra vez e deu à luz um filho… “O Senhor, ouviu… deu-me…”
E deu-lhe o nome de Simeão
[aquele que escuta].
vv. 34-35
Lia dá à luz mais dois filhos, Levi (acrescido) e Judá (aquele que louva).
Os nomes dos filhos
de Jacob são explicados artificiosamente; não são verdadeiras etimologias, mas
alusões livres suscitadas pelo contexto e a que os leitores acham graça porque
eram jogos de palavras, que se perdem na tradução.
Capítulo 30, v. 1
Vendo
que não dava à luz… Raquel começou a ter inveja da irmã.
Começa a rivalidade entre as duas irmãs: Raquel é a mais bonita e é preferida,
mas é estéril; Lia é menos atraente e menos amada, mas é fecunda. As duas
rivalizam para conquistar a metade que lhes falta; Lia o amor do marido, Raquel
os filhos.
vv. 2-5
Raquel comporta-se segundo a tradição como já fizera Sara (Gn 16,1-4). Querendo
a todo o custo ter um filho, pede a Jacob que se una à escrava Bila para ter um
filho dela, que seria depois dado à luz sobre os joelhos de Raquel.
v. 6
Raquel
disse, então: “Deus fez-me justiça, escutou a minha voz e
deu-me um filho”… deu-lhe o nome de Dan
[ele fará justiça].
v. 7
A escrava Bila dá à luz um segundo filho, a quem Raquel chamará Neftali (minha
luta) para recordar que tinha tido de lutar com a irmã para vencer.
vv 9-13
Então é a vez de Lia não dar mais à luz e diz a Jacob para se unir com a escrava
Zilpa que dá à luz Gad (fortuna) e Aser (feliz).
v. 14
Raquel
disse a Lia: “Dá-me, por favor, parte das mandrágoras do teu filho.”
As mandrágoras eram afrodisíacos e pensava-se que aumentariam a fertilidade.
Continua a rivalidade entre as duas irmãs.
vv 15-16
Raquel
retorquiu: “Pois bem, em troca das mandrágoras do teu filho, que ele fique
contigo esta noite.”
Raquel continua a desejar ter um filho verdadeiramente seu e faz tudo o que
pode, come a mandrágora, pronta a dar em troca o seu marido à irmã. Mas o filho
só o verá quando Deus o conceder.
vv. 17-20
Deus
ouviu Lia, que concebeu e deu um quinto filho a Jacob.
É sempre o Senhor que concede os filhos. Lia dará à luz Issacar (salário-homem)
e, depois, Zabulão (presente?)
v. 22
Deus
recordou-se de Raquel… e tornou-a fecunda.
Chega também o momento de Raquel. Aqui repete-se o esquema da matriarca estéril
que, por intervenção de Deus, se torna fecunda.
v. 23
Ela
disse: “Deus apagou a minha vergonha.”
O amor de Jacob não bastava a Raquel, que, segundo a mentalidade do tempo, tinha
um motivo de vergonha, por não ter filhos.
v. 24
E
chamou-lhe José.
O nome (ele acrescerá) exprime o desejo de que não seja o único filho, e assim
será.
Neste capítulo, o
autor quer sublinhar, mais uma vez, que é Deus quem constrói a história e a casa
de Israel. Como? Vendo, escutando, dando, recordando-se.
Adonai é aquele que vê.
Nada escapa ao seu acto criador desde então (Gn 1,10.12.18.21.25.31; 6,5.12;
18,21; Ex 3,4.7; Sl 10,14; Jr 23,24; Mt 6,4.6.18).
Adonai é aquele que escuta.
Escuta o grito do sofrimento e intervém fazendo justiça ou perdoando (Ex
2,23-24; 6,5; 22,22; Dt 26,7; Js 10,14; 1Rs 9,3; 8,23-24; Jo 11,41-42; 1Jo 5,15)
Adonai é aquele que dá.
Aos progenitores e aos Israelitas dá o alimento (Gn 1,29.30; 9,3; Ex
16,8.15.29.32), aos patriarcas a terra (Gn 12,7; 13,15; 17,8) e a descendência
(Gn 15,5; 22,17), a Israel “o coração novo” (Ez 36,26), à multidão o pão do céu,
o verdadeiro (Jo 6,32), àqueles que lho pedem o Espírito Santo (Lc 11,13).
Adonai é aquele que se recorda.
De Noé (Gn 8,1), de Abraão (Gn 19,29), de Raquel (Gn 30,22), dos Israelitas (Ex
6,5), de Ana (1Sm 1,19)… do ladrão arrependido (Lc 23,42).