O livro do Génesis ensina que o criador deu ser a uma realidade em devir e fê-lo com uma intencionalidade que se revela através da história. Adonai, depois do dilúvio, abençoou Noé e os seus filhos e deu esta ordem: multiplicai-vos e enchei a terra (Gn 9,1.7.). Na lista dos povos do capítulo 10 do Génesis, como desenho criativo de Deus, são citados todos os povos então constituídos “cada um segundo a sua própria língua e segundo as suas famílias e as suas nações “ (Gn 10,5). Veja-se também Act 17,26. Este desenho da multiplicidade dos povos será contestado, sem sucesso, na região de Chinear (Gn 11, 1-9), no episódio da construção da torre.
Todos os povos nascem de uma bênção e da ordem de Deus, mesmo se não fazem parte da história de Israel e da Aliança do Sinai.
A evolução da história mereceu sempre o interesse de Israel, uma característica que o distingue de todas as nações do médio oriente. Não admira pois que os autores bíblicos considerem, por vezes, as linhagens, a genealogia, as descendências dos povos que não são de Israel. De facto, era considerado respeitoso recordar as respectivas descendências.
Assim, neste capítulo, são reportados cinco documentos de antigas tradições do povo de Edom, povo confinante com Israel no sul do Mar Morto. São três as genealogias (vv. 1-5; 9-14; 15-19), uma lista dos reis (vv. 31-39) e uma lista dos lugares de residência das tribos de Edom (vv. 40-43). A estes documentos é acrescentada a genealogia do povo Horrita (vv. 20-30). Os documentos edomitas foram incluídos tal e qual eram narrados sem a preocupação de tentar harmonizar as diferenças. No tempo de David e Salomão (sec..X a.C.) Edom torna-se vassalo de Israel e assim permanecerá até 844 a.C., no tempo do rei Jorão (2Re 8,20-22), em que se revolta e se liberta.
v. 1Esta é a descendência de Esaú, isto é, Edom. Aqui e nos vv. 8.19.43., que se referem a Gn. 25,30, Esaú é Edom, o herói epónimo dos Edomitas (o Edomita). Esta tradição subsiste tardiamente; de facto, os capítulos 27.32.33. apresentam um Esaú diferente. Apresentam-no como aquele tipo de caçadores que as gentes de Jacob encontraram ao colonizarem a Transjordânia, e do qual, enquanto agricultores se sentiam diferentes. Edom é um povo que não deixou traços nos documentos arqueológicos. É todavia nomeado várias vezes no Antigo Testamento como “irmão”. (Dt 2,4-5 e 8.; 23,8; Nm 20,14; Am 1,11; Abd 10.12.). Os hebreus reconheciam serem do mesmo grupo étnico, com uma mesma língua. Por isso o herói epónimo de Edom, Esaú, torna-se de facto filho de Isaac e irmão de Jacob. Os hebreus apreciavam a sabedoria dos Edomitas a quem faziam frequentemente referência (Jb 2,11; 15,1-4 e 17-19; Jr 49,7; Ba 3,23; Abd v.8). No entanto, os dois povos eram, desde o início. rivais; desde que o rei de Edom recusou aos israelitas vindos do deserto, a passagem através do seu reino. (Nm 20,14-21). Veja-se também Sl 137/136, v.7. e os muitos oráculos contra Edom pelo seu comportamento violento relativamente a Israel (Jr 49,7-22; Abd v.10-15; Is 34,5-6).
vv. 2-4Esaú tomou as suas mulheres entre as filhas de Canaã… são nomeadas as mulheres pagãs e os seus respectivos filhos nascidos na região de Canaã.
vv. 6-8Depois Esaú tomou as mulheres e os filhos … todos os animais … e afastou-se do seu irmão Jacob … assim se estabeleceu nas montanhas de Seir. Dado que os Edomitas estavam a sul do Mar Morto, o autor tem que fazer emigrar Esaú da terra do irmão Jacob ao norte, em direcção ao sul. É dada até a razão para esta transferência: a necessidade de ter muitos espaços abertos, ou seja, pasto para os seus inúmeros rebanhos. O autor refere-se a Gn 13,2-9, onde Lot e Abraão, por esta mesma razão, decidem viver em terras separadas.
vv. 9-14 É nomeada de novo a descendência de Esaú, especificando que se encontram já nas montanhas de Seir, contradizendo em parte o que havia sido dito v. 5.
vv. 15-19 São repetidos os nomes da lista precedente mas com uma outra função, que é citar os nomes dos respectivos clãs.
vv. 20-30Estes são os filhos de Seir, os Horritas, os primeiros habitantes da região … estes são os chefes de família dos Horritas segundo as suas tribos na região de Seir. Na zona de Seir, a primeira dos Edomitas, estabeleceu-se a população dos Horritas, não de origem semita mas migrada do norte da Mesopotâmia. Os Edomitas aliaram-se com estes Horritas por via matrimonial. Vem igualmente aqui elencada uma genealogia com o nome das respectivas tribos.
vv. 31-39 São nomeados os reis de Edom precedentes à conquista de David, é um antiquíssimo e confiável documento.
vv. 40-43 Esta é uma repartição dos Edomitas que considera os lugares de residência dos clãs dos Edomitas que se tornaram sedentários, é um critério topográfico.
AMALEC
Entre os netos de Esaú, está Amalec (v. 12 e v. 16), o herói epónimo dos Amalecitas, um povo muito antigo de origem desconhecida, que habitava entre o sul da Palestina e a fronteira com o Egipto. No Dt 25,17-18, Amalec ataca pelas costas, e até à traição, “o mais fraco da retaguarda enquanto tu estavas cansado e exausto”. Por isso é que, na tradição hebraica, Amalec se torna o inimigo enganador por excelência, isto é, o adversário de Deus, o Satanás.
O mal, que está sempre presente na história, Deus quer destrui-lo (Ex 17,14-16) e ordena que seja excluído sem piedade (Dt 25,19; 1Sm 15,1-3).
Contemporaneamente, Deus mostra a Israel que Amalec não prevalece quando se levantam em oração as mãos dos que confiam n’Ele (Ex 17,8-13; Mc 9,29).
A vitória sobre Amalec, metáfora da luta que se joga no íntimo do Homem, depende da sinergia profunda do agir de Deus e do agir do Homem. Veja-se Ef 6,10-19.
