No capítulo 48, trata-se
das duas tribos de Efraim e Manassés. Os autores do livro do Génesis têm
de justificar a presença destas duas grandes tribos, entre as 12 tribos
do povo hebreu ainda que, segundo a tradição, os dois heróis epónimos
não fossem os filhos de Jacob, mas de José. Estas duas tribos viviam num
grande território na zona central da Palestina, entre o Mar Morto e o
Mar da Galileia. Os autores, constroem então uma adopção legal dos dois
filhos de José por parte de Jacob.
Não é por acaso que neste
capítulo Jacob é chamado Israel com mais frequência. A insistência serve
para elogiar o fundador das 12 tribos e, por consequência, do povo
hebreu. Na verdade, Israel é o novo nome que Deus deu a Jacob, porque
ele tinha lutado com Deus e com os homens e tinha vencido (ver Gn 32,
29). O tema é retomado em Gn 35,10.
v. 1Eis que teu pai está doente. José sabe que seu pai é idoso e que
esta doença precede a morte. Para isso apressa-se a levar-lhe os seus
dois filhos nascidos no Egipto de Arsneth (Gn 41,50-51) que recebem a
bênção do patriarca, especialmente o mais velho, Manassés, que teria
assim um futuro abençoado por Deus
vv. 2-4Então Israel reuniu todas as suas forças… e disse a José… Deus
omnipotente apareceu-me… multiplicar-te-ei… darei esta terra à tua
descendência. O momento é solene, Jacob percebe que está prestes a
morrer, pois recorda o acontecimento da Luz (Gn 28, 10-20), citando as
duas grandes promessas, a de descendentes e a de terra, que deve passar
aos descendentes.
vv. 5-6 Efraim e Manassés
serão meus.
Jacob decide fazê-los seus ou seja, adoptar os dois
filhos de José. Distingue assim os dois primeiros filhos de José
daqueles que lhes seguirão. Desta forma, integra-os de pleno direito na
família patriarcal, apesar de filhos de mãe egípcia.
v. 7 Raquel a tua mãe
morreu-me…
Este versículo está completamente fora do contexto,
talvez para justificar a adopção.
vv. 8-10Israel viu os filhos de José… trá-los para que eu os abençoe.
Reinicia a narrativa de acordo com uma outra tradição que se seguirá de
uma forma mais homogénea do que a precedente. É uma cena familiar, com a
observação de que Jacob tinha-se tornado frágil da vista. Com este
detalhe prepara-se a cena que se seguirá. Note-se a expressão de José,
os filhos que Deus me tem dado aqui. Não diz, como qualquer pai
diria hoje: "São meus filhos."
Todo o bom hebreu está convicto que tudo é dom de Deus.
v. 11Deus concedeu-me ver a tua prole. A referência a Deus é
constante.
vv.
12-13José… prostrou-se… tomou Efraim… à esquerda de Israel e Manassés à
direita. Prepara-se a cena da bênção que para os antigos era um
acontecimento muito importante. Era um autêntico ritual ligado a Deus e
a valores espirituais, segundo os quais a bênção teria um carisma
próprio e geralmente conduziria ao sucesso. Nunca ninguém poderia
cancelar a graça da bênção. A fonte da bênção era naturalmente Deus.
Segundo uma tradição arcaica, a bênção deveria ser dada com a mão
direita e ao filho mais velho. Por isso José coloca os filhos já na
posição devida.
v. 14Mas Israel estendeu a sua mão direita… sobre a cabeça de Efraim…
cruzando os braços... Inesperadamente Jacob inverte a tradição e dá
a bênção ao filho mais novo.
vv. 15-16O Deus perante o qual caminharam os meus pais… e que tem sido o meu
pastor e… abençoe estes jovens… multiplicar-se-ão em grande número…
faz-se claramente referência ao Deus dos Patriarcas. Estes tinham como
característica o seu “ caminhar perante Deus” segundo o convite feito
pelo próprio Deus: “Caminha à minha frente” (Gn 17,1). Isto
significa estar sempre na presença do Senhor, seguindo os seus desejos.
O anjo do Senhor de que se fala é o próprio Deus, visto como o
libertador de origem familiar, o que é o goel, o parente com o
poder de libertar quem na família tinha sido tornado escravo,
resgatando-o (Lv 25,25).
vv.17-18Não assim meu pai… José irrita-se justamente vendo as coisas
serem feitas ao contrário e o filho mais novo receber a bênção. Pensa
que Jacob não se dá conta do que está a fazer.
vv. 19-20Mas o pai disse: eu sei meu filho, eu sei… e abençoou-os. O autor
quer sublinhar a liberdade de Deus nas suas escolhas e na sua
preferência por quem é considerado menor aos olhos dos homens. É um tema
recorrente em toda a Bíblia. Veja-se em Juízes 6,15 a propósito de
Gedeão, Dt7,7 a propósito de Israel o mais pequeno de entre todos os
povos, Miqueias 5,1 a propósito de Belém a mais pequena entre os
clãs de Judá. O tema é retomado no N.T. Quem for maior entre vós que
seja como o menor (Lc 22,26); Deus escolheu aqueles que são
frágeis no mundo para confundir os fortes (1Cor 1,27-29).
A graça de Deus não pode ser aceite por aqueles que já
estão cheios de si mesmo.
Historicamente a tribo de
Efraim prevalece sobre a de Manassés até ao ponto em que a expressão
Efraim foi usada para designar todo o reino do Norte (Jer 31,6. 18. 20;
Sl 78, 60.67).
v. 20De vós servir-se-á Israel para abençoar… Pela primeira vez
aparece o nome de Israel como povo.
v. 21Deus estará convosco e vos fará retornar… Está a preparar-se o
livro do Êxodo com a realização das promessas e a entrega do nome
impronunciável, o tetragrama YHWH, que os hebreus leram a Adonai.
v. 22
Não se explica a referência à “parte de trás do monte” conquistado.
Talvez todo o acontecimento, inclusivamente a morte de Jacob, tenha
ocorrido na Palestina e não no Egipto