Aspirai
às Coisas
do Alto
 
"Foggy Sun Rays“. Mike Hollingshead. DBNW, Iowa - EUA. 2007
© Mike Hollingshead/Corbis-DC/ Col: Latitude
Manuela Silva
Junho 2012
Plantemos flores à beira do abismo
Há-de haver no deserto um lugar de água.
José Augusto Mourão, Salmo, in O Nome e a Forma

A recomendação expressa no título tem mais de dois mil anos e vem de Paulo de Tarso. Foi dirigida à igreja de Colossos, uma cidade da Ásia Menor, por volta do ano 60, certamente repetida em muitas outras ocasiões e junto de diferentes públicos através dos séculos.

Reconheço neste convite uma mensagem particularmente oportuna para os tempos em que estamos a viver. Tempos de grande rudeza para muitos  e de incerteza para todos quanto à configuração do futuro. Por isso mesmo, são tempos em que se impõe redobrada vigilância pessoal e colectiva face às escolhas múltiplas que, sempre, se nos apresentam, mesmo quando, por vezes, passamos ao seu lado, subestimando-as; ou quando nos resignamos diante de um falso pretexto de impotência para as alterar.

No actual contexto de desorientação e ausência de referências seguras, importa que redobremos a atenção e o discernimento e que não nos deixemos dominar por forças subtis, mas tão poderosas, que, embora nos sendo exteriores, condicionam o nosso  modo de viver quotidiano (o marketing e a moda; a ganância e a tirania do dinheiro, a importância do ter e do parecer, os preconceitos do sucesso e da competitividade, o convite permanente ao prazer imediato e ao facilitismo irresponsável, a pressão dos media, etc). Analogamente, há que saber identificar e ter presentes os poderosos condicionalismos que, insidiosamente, nos roubam oportunidades de viver uma “vida boa” (obstáculos no acesso à profissão; imposição de normas e condições de trabalho desumanizantes;  burocratização excessiva e sufocante; enquadramentos financeiros hostis; consumismo compulsivo, etc).

Qualquer cedência no campo da busca de lucidez na compreensão do que está em causa e na ponderação das respectivas consequências ou transigência na resignação preguiçosa diante dos factos consumados e dos espartilhos pseudo reguladores de um sistema em efectiva decomposição, só poderão aprofundar as múltiplas expressões da crise que conhecemos, abrir caminho a possíveis implosões sociais ou, mesmo, conduzir a uma nova barbárie. No entretanto, estaremos perante forças predadoras de bens preciosos e irrecuperáveis de satisfação pessoal a nível do ser, da relação com os outros, do conhecimento e da convivialidade.

A exortação do Apóstolo Paulo na Carta aos Colossenses (Col 3,1-4) aponta-nos como critério a aspiração das coisas do Alto, ou seja o desejo vivo e actuante do que está para além da imediatez, a busca daquilo que torna o ser humano capaz de transcendência. Não ignora o Apóstolo o ensinamento de Jesus de Nazaré aos seus discípulos quando lhes fala de possíveis caminhos de felicidade pessoal, enumerando razões de bem-aventurança ou lhes recomenda empenho na construção do reino de Deus e lhes lembra a Verdade, a Justiça e o Amor como traves-mestras de um modo de vida, pessoal e colectiva.

É este o tempo oportuno para uma paragem reflexiva, inteligente e corajosa, acerca do mundo em que estamos inseridos e para deixar que caiam os véus das ilusões que, a toda hora, nos são vendidas a bom preço e sob múltiplas roupagens..

È este o tempo oportuno para que, no presente, se escolham e aproveitem as  melhores sementes do futuro que desejamos construir.

Como tão bem diz o poeta José Augusto Mourão:

(…)

Enquanto não sabemos o caminho,

Cantemos já o dom de caminhar;

Se estamos juntos, não teremos medo;

Alguém no invisível nos espera.

 

Plantemos flores á beira do abismo

Há-de haver no deserto um lugar de água

Alguém que nos chame pelo nome

E nos acolha no termo da viagem

Salmo, in O Nome e a Forma

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