1. Dois
acontecimentos justificam esta reflexão: a celebração do 50º
aniversário do início formal do Concílio Vaticano II e o anúncio
do Ano da Fé, recentemente proposto pelo Papa Bento XVI e que
abrangerá o período que vai de 11 Outubro 2012 a 24 Novembro
2013.
2. No que respeita à celebração do 50º
aniversário do Concílio Vaticano II, devemos, certamente, corresponder ao
desafio de uma leitura actualizada do riquíssimo conjunto de textos que nos
legaram os padres conciliares, para com eles confrontar as nossas atitudes e
opções pessoais. Do mesmo modo, também como membros das comunidades eclesiais a
que pertencemos importa que tomemos a sério o compromisso de revisitar a
doutrina conciliar para, com lucidez e coragem, avaliarmos, à sua luz, as nossas
práticas pessoais e comunitárias, nomeadamente os diferentes ministérios que
nelas se realizam bem como a relação da Igreja com a comunidade humana.
Em sintonia com o espírito questionante, que
caracterizou o Concílio Vaticano II, encontraremos razões para nos darmos conta
de quão longe nos encontramos ainda das orientações do Concílio, nomeadamente:
de uma liturgia viva e vivificadora; de uma fé robusta alimentada e sempre
renovada pela Palavra de Deus; de uma Igreja que faz suas as angústias e as
esperanças dos homens e mulheres do seu tempo; de uma Igreja evangelizadora e
que, ao lado dos pobres, anuncia e constrói a justiça e a paz.
3. Nos próximos tempos, tem também toda a
pertinência que nos interroguemos sobre o que queremos dizer quando nos
reconhecemos e nos afirmamos como pessoas de fé.
O que é que a fé acrescenta à nossa vida, ao
olhar com que nos vemos e com que vemos a realidade mais vasta de que somos
parte?
Que impacto tem a fé na nossa realização humana,
nas opções que fazemos e no nosso modo de estar no mundo e de nos relacionarmos
com os outros?
Como aprofundamos a nossa relação com o Deus de
Jesus Cristo em quem acreditamos?
Não podemos passar ao largo destes e doutros
questionamentos, tanto mais oportunos quanto vivemos num tempo em que, para
muitos dos nossos contemporâneos, a fé e a religião são coisas do passado para
as quais já nem dispõem de adequada gramática, confundindo fé e religião com
fanatismo identitário, obscurantismo e desprezo pela ciência, moral opressiva
contrária à liberdade e à realização humana.
4. Num tal contexto
cultural, cada um de nós, cristãos do século XXI, enfrenta,
hoje, o desafio de purificar a sua fé, libertando-a das crostas
que a tornam incompreensível e não credível aos olhos dos seus
contemporâneos, o que pressupõe e exige o aprofundamento das
raízes; o reforço da pertença em comunidades de partilha e
celebração; a busca e a invenção de palavras e símbolos
inteligíveis para dizer a esperança e anunciar a paz.
Individualmente, os
cristãos terão de aprender a viver, cada vez mais, como
peregrinos e aceitar o desconforto próprio das viagens através
dos caminhos incertos e perigosos do futuro, razão bastante para
redobrar o empenho em cultivar uma fé com alicerces robustos a
par de uma sólida confiança no Mestre, na beleza da sua palavra
e na força do seu testemunho de ressuscitado.
5. Este não é o tempo da ilusão (alienação) dos
eventos de grandes massas, mas sim uma ocasião favorável a que as comunidades
cristãs assumam a sua condição de minorias que, para serem reconhecidas e
respeitadas, não pretenderão afirmar-se pela força de uma tradição ou por um
qualquer poder adquirido no passado, mas porque nelas se vive a boa notícia de
Jesus de Nazaré e delas se pode dizer, com verdade: vede como se amam; como
vivem na esperança e na confiança, como praticam a justiça e a solidariedade,
como fazem a experiência da alegria e da felicidade, como constroem a paz.