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Ser uma pequenina luz bruxuleante

 
Manuela Silva
Setembro 2012
 
(...)
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.
 - Jorge de Sena
 

Num dos seus magníficos poemas, Jorge de Sena louva a presença de uma pequenina luz bruxuleante brilhando no meio da multidão. 

Bruxuleante, porque incerta, ainda que persistente. 

Uma luz discreta no meio da multidão, que, na confusão e na algazarra do seu viver, mal dá conta dessa presença luminosa, que não se impõe, mas indefectivelmente brilha. 

Mais do que nunca, precisamos de ser esta pequena luz para ousar enfrentar as ameaças de toda a ordem que no horizonte se perfilam e o temor com que os povos e nações olham para o futuro próximo. 

O que era mero exercício de prospectiva, elaborado, há meio século, por alguns cientistas mais perspicazes, tornou-se numa realidade cada vez mais palpável e assustadora: o Planeta enfrenta, hoje, consideráveis mudanças climáticas, prossegue a destruição de milhares de espécies de origem animal e vegetal, cresce a população humana, aumenta a poluição do ar e da água, multiplicam-se as montanhas de lixo de difícil (impossível?!) reciclagem… 

Por mais que se confie no progresso da ciência e da técnica para procurar soluções para estes graves e gigantescos problemas, a sua magnitude é tal que temos razões para pensar que não bastarão os remédios que, a curto prazo, venham a ser descobertos para atenuar os efeitos dos sintomas mais visíveis. Algo de muito radical é preciso mudar na mentalidade, na organização da convivência humana e no modo de a Humanidade habitar o Planeta e partilhar os seus recursos. Como? 

Um dos grandes bloqueios à indispensável mudança reside no actual sistema económico-financeiro globalizado, o qual dá sinais inequívocos de que entrou em colapso mas cuja indispensável reforma tem deparado, até agora, com bloqueios intransponíveis. Até quando? 

A globalização tem avançado de forma vertiginosa mas desregulada, movida pelo turbo-lucro da engenharia financeira (dinheiro que faz dinheiro, mas não cria bens nem satisfaz as necessidades básicas e as aspirações de grande número de excluídos), deixando atrás de si um cortejo de disfunções sociais, cada vez mais gritantes: o desemprego, a grande desigualdade na repartição da riqueza, a concentração gigantesca do poder financeiro, a pobreza extrema… 

Diante desta realidade sistémica, os Estados apresentam debilidades cada vez mais sérias para poderem honrar o seu compromisso de zelar pelo bem comum democraticamente definido pelos seus cidadãos e cidadãs e com frequência ficam enleados em teias bem urdidas pelos interesses financeiros os poderosos e a estes se submetem. 

É neste quadro de perplexidade e insegurança que vem subindo a temperatura da insatisfação social e do temor quanto ao futuro, acrescentando-se, assim, às razões objectivas de mal-estar, um sentimento pessoal e colectivo de frustração e de desesperança que, por algum tempo, vai sugerindo resignação e acomodação, mas onde vai lavrando o campo da raiva e da indignação, a menos que a pequenina luz bruxuleante de que fala o poeta aí se mantenha, como a exactidão como a firmeza como a justiça. 

Uma pequenina luz com que cada homem e cada mulher, em sua casa, no seu meio de trabalho, na sua cidade ou aldeia, junto dos amigos ou dos concidadãos de partido político, na escola, nos centros de saúde ou nos transportes públicos, nas suas redes sociais ou na comunicação social, assume, transfigura e recria, tudo quanto está ao seu alcance.

 

 

 

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