Dentro em breve retomaremos as
nossas rotinas, de trabalho, relações sociais, paisagens,
afazeres vários, depois de um tempo outro, em que nos expusemos
a situações e acontecimentos diferentes dos que marcam os nossos
quotidianos mais comuns. Na melhor das hipóteses, tivemos tempo
para rever critérios e opções de vida e, talvez, para formular
algum propósito de mudança que queremos concretizar nos meses
que seguem. Agora é tempo oportuno para olhar em frente e ir ao
encontro da realidade que nos espera.
Regresso deste mês de Agosto com
uma convicção, mais firme do que nunca, de que todo o ser humano
é um ser em devir, um ser em construção, que só encontra a sua
realização autêntica quando se dispõe a entrar numa dinâmica
permanente de escuta e resposta, que combine os seus desejos
íntimos com a realidade exterior em que está inserido. Quando
tal dinâmica afrouxa, a vida pessoal torna-se amorfa,
coisifica-se, e a singularidade esperada de cada vida humana
esfuma-se, deixando um inevitável rasto de insatisfação e
alienação.
Então, o vazio toma conta do lugar
da esperança e é grande o risco de derivas depressivas,
originadas e alimentadas pelo rastilho das múltiplas injustiças
e desmandos que não podemos – nem devemos – ignorar, em relação
aos quais experimentamos uma dolorosa situação de impotência,
face aos poderes instalados, à complexidade e rigidez dos
sistemas que regem as nossas vidas, à manifesta impreparação das
pessoas para ajuizarem das situações e fazerem valer direitos
fundamentais de melhor qualidade de vida, solidariedade e bem
comum.
Muitas das pessoas que conhecemos,
incluindo entre as gerações mais jovens, sofrem desta grave e
preocupante doença social, que se manifesta sob a forma de
acomodação e passividade ou, em modalidade mais agressiva, o
individualismo do salve-se quem puder, doença contra a qual
julgam poder lutar, erguendo muros de indiferença ao sofrimento
ou refugiando-se em torres de marfim aonde não entrem clamores
alheios.
A via de saída é, seguramente, a
oposta. A meu ver, o que nos resta é procurar manter viva a
coragem de prosseguir num caminho de libertação das amarras do
nosso egoísmo, nas suas múltiplas vertentes, não desistir de ir
ao encontro de si mesmo através do encontro com o outro,
reconhecendo-se, interiormente, como parte de uma realidade mais
profunda, mais vasta e mais bela: a Humanidade, a Vida, Deus.
Aprender a ser para os outros e
pô-lo em prática, nos mais ínfimos actos e nas mais banais
escolhas, é, na nossa sociedade e no tempo presente, uma
prioridade realista e urgente, que importa passar às novas
gerações, sobretudo através de um testemunho pessoal e
comunitário que desperte o gosto pela Vida e o sentido de
responsabilidade por conservá-la e fazer frutificar, dando lugar
ao outro, criando e fortalecendo laços, valorizando a
solidariedade e o empenho pelo bem comum.
Como adverte José Augusto Mourão,
há que saber voltar aos sítios fundadores, ao gosto das coisas e
de nós próprios, à memória do dom e do encontro sem medida.