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Ser para os Outros

 
Manuela Silva
Setembro 2013
  
 

Dentro em breve retomaremos as nossas rotinas, de trabalho, relações sociais, paisagens, afazeres vários, depois de um tempo outro, em que nos expusemos a situações e acontecimentos diferentes dos que marcam os nossos quotidianos mais comuns. Na melhor das hipóteses, tivemos tempo para rever critérios e opções de vida e, talvez, para formular algum propósito de mudança que queremos concretizar nos meses que seguem. Agora é tempo oportuno para olhar em frente e ir ao encontro da realidade que nos espera.

Regresso deste mês de Agosto com uma convicção, mais firme do que nunca, de que todo o ser humano é um ser em devir, um ser em construção, que só encontra a sua realização autêntica quando se dispõe a entrar numa dinâmica permanente de escuta e resposta, que combine os seus desejos íntimos com a realidade exterior em que está inserido. Quando tal dinâmica afrouxa, a vida pessoal torna-se amorfa, coisifica-se, e a singularidade esperada de cada vida humana esfuma-se, deixando um inevitável rasto de insatisfação e alienação.

Então, o vazio toma conta do lugar da esperança e é grande o risco de derivas depressivas, originadas e alimentadas pelo rastilho das múltiplas injustiças e desmandos que não podemos – nem devemos – ignorar, em relação aos quais experimentamos uma dolorosa situação de impotência, face aos poderes instalados, à complexidade e rigidez dos sistemas que regem as nossas vidas, à manifesta impreparação das pessoas para ajuizarem das situações e fazerem valer direitos fundamentais de melhor qualidade de vida, solidariedade e bem comum.

Muitas das pessoas que conhecemos, incluindo entre as gerações mais jovens, sofrem desta grave e preocupante doença social, que se manifesta sob a forma de acomodação e passividade ou, em modalidade mais agressiva, o individualismo do salve-se quem puder, doença contra a qual julgam poder lutar, erguendo muros de indiferença ao sofrimento ou refugiando-se em torres de marfim aonde não entrem clamores alheios.

A via de saída é, seguramente, a oposta. A meu ver, o que nos resta é procurar manter viva a coragem de prosseguir num caminho de libertação das amarras do nosso egoísmo, nas suas múltiplas vertentes, não desistir de ir ao encontro de si mesmo através do encontro com o outro, reconhecendo-se, interiormente, como parte de uma realidade mais profunda, mais vasta e mais bela: a Humanidade, a Vida, Deus.

Aprender a ser para os outros e pô-lo em prática, nos mais ínfimos actos e nas mais banais escolhas, é, na nossa sociedade e no tempo presente, uma prioridade realista e urgente, que importa passar às novas gerações, sobretudo através de um testemunho pessoal e comunitário que desperte o gosto pela Vida e o sentido de responsabilidade por conservá-la e fazer frutificar, dando lugar ao outro, criando e fortalecendo laços, valorizando a solidariedade e o empenho pelo bem comum.

Como adverte José Augusto Mourão, há que saber voltar aos sítios fundadores, ao gosto das coisas e de nós próprios, à memória do dom e do encontro sem medida.

 

 

 

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