Ano A 33 domingo tempo comum
XXXIII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XXXIII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Pr 31,10-13.19-20.30-31; Sl 127,1-2.3.4-5; 1Ts 5,1-6; Mt 25,14-30
A ligação entre a 1.ª leitura e o evangelho emerge se se considera que o texto de Provérbios não só descreve o tipo de mulher que o sábio, no termo do percurso de formação e estudo, esboça para os seus alunos como mulher ideal, mas toma igualmente aquela figura feminina na sua valência simbólica pela qual designa ao mesmo tempo a sabedoria e o sábio, ou melhor, o dom e o fruto que esse dom suscita no homem. No cerne do retrato da mulher forte está a responsabilidade. Responsabilidade que se configura, entre outras coisas, como afabilidade (cf. Pr 31,11), laboriosidade (cf. 31,13.19), vigilância (cf. 31,27), generosidade (cf. 31,20). E responsabilidade é também palavra-chave para compreender a diferença de comportamento entre os dois tipos de servos na parábola do evangelho: o “servo bom e fiel” (Mt 25,21.23) e o “servo mau e preguiçoso” (Mt 25,26). A responsabilidade cristã é consciência do dom recebido e fidelidade a ele. Ou seja, mais radicalmente, fidelidade ao Dador.
Segundo Ireneu de Lião, o dinheiro confiado pelo patrão aos seus servos significa o dom da vida concedido por Deus aos homens. Dom que é também tarefa e que pede para não ser desperdiçado ou ignorado ou desprezado, mas acolhido com gratidão activa e responsável. Paulo escreve: “O que é que tens que não tenhas recebido?” (1Cor 4,7). Poderemos acrescentar que não só aquilo que temos, mas também o que somos é dom de Deus. Nós somos dom.
Sob esta luz, há um aspecto do juízo que recai sobre quem não fez frutificar os talentos recebidos e que não tem a ver acima de tudo com a perspectiva escatológica (cf. Mt 25,30), mas já, aqui e agora, com o risco de desperdiçar a vida, de não a viver, de a estragar “até fazer dela algo de estranho e sem graça” (Constantinos Kavafis). É o risco de uma vida insignificante, de uma vida não vivida.
A ideia essencial que unifica os três casos dos servos que recebem talentos em diferente medida é que, em cada caso, para cada um, na origem está um dom que provém de outro e que cada um recebe segundo a sua capacidade. Trata-se, portanto, de um dom “personalizado”. O dom a mim confiado revela-me a mim próprio. Entrar na lógica da comparação, e talvez na recriminação, desvia a pessoa da única actividade verdadeiramente sensata: conhecer-se a si própria e conhecer Deus, o Dador, reconhecendo e acolhendo os dons recebidos.
É uma subtileza psicológica sublinhar que o servo que escondeu o dinheiro por medo é aquele que recebeu menos do que os outros. Por esta dificuldade em aceitar a sua própria menor força-capacidade em comparação com os outros fica-se mais exposto ao risco de cair na inveja e no ressentimento. A adesão ao principio-realidade, ou seja, a aceitação da realidade tal como se apresenta, em nós e fora de nós, é então medida salvífica, humana e espiritualmente.
Investir o dinheiro recebido significa expor-se ao risco de perdas que deveriam depois ser reembolsadas ao patrão: o medo do servo, que o paralisou, é também medo do risco. E, sendo evidente que esta parábola não pretende ensinar o que fazer do dinheiro e não pode ser usada para uma apologia de um sistema económico que absolutize o lucro, o certo é que o medo de eventuais perdas é entendido como medo da vida, o qual se deve a uma imagem distorcida de Deus. O desejo de segurança, o medo de empenhar-se, o temor do juízo dos outros, neutralizaram neste homem a vontade de Deus que era de que ele procurasse um ganho (cf. Mt 25,27) com o dinheiro recebido: e esse procurar um ganho também teria significado ele viver, trabalhar, arriscar, alegrar-se e sofrer, em suma, dar sentido à sua existência.
Deus quer que o homem viva e procure a felicidade, que ouse a sua unicidade e a sua humanidade, que não se deixe paralisar pelo medo e pela imagem distorcida de Deus. O dom empenhativo que Deus confia ao homem é também a sua confiança em relação ao homem
O contrário de fidelidade (cf. Mt 25,21.23), na parábola, é preguiça (cf. Mt 25,26). O preguiçoso é aquele em quem não se pode fazer confiança, aquele que delega, que desperdiça o seu tempo, o irresponsável, aquele que não assume a vida e a fé como dever pelo qual responderá a Deus.
© – Luciano Manicardi