A fraternidade é a nova fronteira do cristianismo (…) a Igreja é uma fraternidade em que se vive o amor fraterno. (Enzo Bianchi)
Se nos mantivermos minimamente atentos ao que se passa no mundo à nossa volta, damo-nos conta de que vem crescendo uma onda de violência nos países ditos modernos e civilizados.
Violência sob as mais diversas formas: violência doméstica que pode atingir o cume da crueldade e da barbárie, mas também violência institucional manifestada em relações laborais injustas e políticas atentatórias de direitos humanos e da protecção devida aos mais vulneráveis; violência latente e difusa no tecido social ferido de gigantescas desigualdades, de que é sinal a proliferação de movimentos inorgânicos de descontentamento e desafiliação social.
Existem, certamente, razões objectivas para a emergência destes fenómenos, mas entre eles há que ponderar a existência de uma crise de comprovada fraternidade. Com efeito, como escreve Enzo Bianchi, a fraternidade permanece a promessa falhada da modernidade. O alcance universal da fraternidade que cresce na confiança recíproca — no âmbito da cidadania moderna, assim como entre os povos e as nações — está muito debilitado.
Ao longo dos últimos 3 séculos, lutou-se pela liberdade e a igualdade, mas esqueceu-se – ou subestimou-se – o alcance da fraternidade como vínculo e meio de coesão social e assim se esbateu o alcance dos dois outros princípios, a igualdade e a liberdade.
A fraternidade exige e pressupõe o reconhecimento do outro, da sua dignidade e dos seus direitos como parte de um todo, a família Humana, na sua variedade. O que fizermos – ou não – ao nosso semelhante reflecte-se, assim, sobre nós próprios, de uma forma ou de outra.
Somos membros de um mesmo corpo. Somos relação e não átomos soltos, como certo individualismo e hedonismo reinantes querem fazer crer. Ao invés, Para viver a fraternidade, é preciso sempre que exista o outro, e que seja afirmada a relação, que é a nossa primeira vocação. (Enzo Bianchi).
Nos seus discursos mais recentes, o Papa Francisco tem insistido na urgência de trazer a debate público o princípio da fraternidade como alicerce de uma paz mundial e de uma convivência comum harmoniosa. São suas estas palavras: É tempo de relançar uma nova visão para um humanismo fraterno e solidário dos indivíduos e dos povos. (…) Devemos pôr de novo em primeiro plano a fraternidade universal, semeada pelo Evangelho do Reino de Deus. (…) Devemos reconhecer que a fraternidade permanece a promessa falhada da modernidade. O alcance universal da fraternidade que cresce na confiança recíproca — no âmbito da cidadania moderna, assim como entre os povos e as nações — está muito debilitado. A força da fraternidade (…) é a nova fronteira do cristianismo.
Para os cristãos, a fraternidade não é uma opção, mas uma consequência intrínseca à sua fé em Deus Pai; por isso não admira que Jesus tenha insistido junto dos seus discípulos “vós sois todos irmãos” e afirme que “não se envergonha de nos chamar irmãos”.
Acrescento este excerto do artigo de Enzo Bianchi que inspirou este meu escrito:
A fraternidade é uma tarefa que está sempre diante de nós. Ela deve ser construída dia após dia, porque não é espontânea, ainda que esteja inscrita nas gerações humanas. Quando é realmente vivida, a fraternidade pede que reine a igualdade entre aqueles que se dizem irmãos e irmãs; pede que a dignidade seja discernível em cada homem porque homem, em cada mulher porque mulher; pede que seja reconhecida aquela liberdade que não ofende os outros; pede que cada um cuide do outro e viva com ele o ligame fraterno, isto é, «ame o outro como a si próprio”.
A concluir, deixo uma interrogação: pais, avós, educadores em geral, como vão responder a este desafio transmitindo-o às novas gerações. Não com palavras bonitas, mas inócuas, mas com gestos concretos e experiências que permitam vivenciá-las, nos quotidianos de cada um e nas suas comunidades de pertença, de modo gratificante e feliz.