Na última década do século XX, perante o final da guerra fria, havia sinais de esperança na construção da paz que não foram completamente aproveitados. Pelo contrário, alterado o “equilíbrio do terror”, parece cada vez mais complexa, frágil e ameaçadora a situação internacional.
O avolumar de apelos ao radicalismo, os discursos ameaçadores, o terrorismo, os problemas ambientais, as crises humanitárias, o recurso à violência urbana e doméstica, as perseguições, os desequilíbrios socioeconómicos, a exploração mediática do sofrimento, etc. fazem-nos sentir medo. Estamos impotentes, paralisados, indiferentes?
Durante a sua recente visita a Nagasaki, o Papa Francisco afirmava: “A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer tentativa de as construir sobre o medo de mútua destruição ou sobre uma ameaça de aniquilação total. São possíveis só a partir duma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã.”- Mensagem do Papa Francisco sobre as armas nucleares – Parque da Bomba Atómica (Nagasaki) em 24 de novembro de 2019. [ Ver + ]
Esta mensagem não foi só um apelo à ética da Paz feito num local simbólico, onde os Hibakusha presentes, encarnam a memória viva do horror da Segunda Guerra Mundial, mas foi também um sinal de preocupação pelas ameaças à Paz global, dada a tensão crescente entre os países da região Ásia-Pacífico.
Na sua mensagem para a celebração do dia mundial da Paz – 1º de janeiro de 2020, o Papa Francisco propõe-nos «A PAZ COMO CAMINHO DE ESPERANÇA: DIÁLOGO, RECONCILIAÇÃO E CONVERSÃO ECOLÓGICA». [ Ler + ]
O Papa insiste na necessidade de uma consciência lúcida da nossa pertença comum à única família humana que habita uma casa comum, onde pode ser possível habitar em Paz.
Proponho breves reflexões, recorrendo a excertos dos pontos principais da Mensagem de Francisco que nos aponta:
- a paz, como caminho de esperança face aos obstáculos e provações
“(…) como construir um caminho de paz e mútuo reconhecimento? Como romper a lógica morbosa da ameaça e do medo? Como quebrar a dinâmica de desconfiança atualmente prevalecente?
Devemos procurar uma fraternidade real, baseada na origem comum de Deus e vivida no diálogo e na confiança mútua. O desejo de paz está profundamente inscrito no coração do homem e não devemos resignar-nos com nada de menos.”
- a paz, como caminho de escuta baseado na memória, solidariedade e fraternidade
“Abrir e traçar um caminho de paz é um desafio muito complexo, pois os interesses em jogo, nas relações entre pessoas, comunidades e nações, são múltiplos e contraditórios. É preciso, antes de mais nada, fazer apelo à consciência moral e à vontade pessoal e política. (…)
O mundo não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas convictas, artesãos da paz abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações. De facto, só se pode chegar verdadeiramente à paz quando houver um convicto diálogo de homens e mulheres que buscam a verdade mais além das ideologias e das diferentes opiniões. A paz é uma construção (…), um caminho que percorremos juntos procurando sempre o bem comum e comprometendo-nos a manter a palavra dada e a respeitar o direito. Na escuta mútua, podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de reconhecer no inimigo o rosto dum irmão.”
- a paz, como caminho de reconciliação na comunhão fraterna
“Guia-nos a passagem do Evangelho que reproduz o seguinte diálogo entre Pedro e Jesus: «“Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”» (Mt 18, 21-22). Este caminho de reconciliação convida-nos a encontrar no mais fundo do nosso coração a força do perdão e a capacidade de nos reconhecermos como irmãos e irmãs. Aprender a viver no perdão aumenta a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens de paz.”
- a paz, como caminho de conversão ecológica
“(…) a conversão ecológica, a que apelamos, leva-nos a uma nova perspetiva sobre a vida, considerando a generosidade do Criador que nos deu a Terra e nos chama à jubilosa sobriedade da partilha. Esta conversão deve ser entendida de maneira integral, como uma transformação das relações que mantemos com as nossas irmãs e irmãos, com os outros seres vivos, com a criação na sua riquíssima variedade, com o Criador que é origem de toda a vida. Para o cristão, uma tal conversão exige «deixar emergir, nas relações com o mundo que o rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus»”
- Obtém-se tanto quanto se espera
“O caminho da reconciliação requer paciência e confiança. Não se obtém a paz, se não a esperamos.
Trata-se, antes de mais nada, de acreditar na possibilidade da paz, de crer que o outro tem a mesma necessidade de paz que nós. Nisto, pode-nos inspirar o amor de Deus por cada um de nós, amor libertador, ilimitado, gratuito, incansável.”
A Paz como caminho de Esperança é um grande desafio para toda a família humana, um código de conduta adequado ao nosso tempo histórico e um vasto programa para as nossas vidas, pois apela à conversão do nosso olhar sobre a Obra da Criação, ao aprofundamento da nossa própria dignidade, ao cuidado da nossa relação com os outros e até à mudança dos nossos hábitos e gestos quotidianos.
Sejamos construtores incansáveis da Paz! Bom ano 2020.