Uma efeméride vale não só pelo seu conteúdo e as iniciativas que lhe subjazem ou a adesão que suscita como, sobretudo, pelos efeitos que deixa ou seja o prolongamento no tempo das respectvas consequências para a ação.
Vem esta reflexão a propósito do recente desafio Tempo para a criação, proposto pelo Papa Francisco, a toda a Igreja Católica, em uníssono com a Igreja Ortodoxa e Ecuménica.
Quem aceitou a proposta de Francisco de dedicar o mês de Setembro ao aprofundamento da Laudato Si’ e procurou fazer gestos de mudança com vista a uma conversão ecológica integral, tem agora a responsabilidade de levar por diante a reflexão e a correspondente acção.
Com esta convicção poderíamos escolher diferentes abordagens, para nelas nos concentrarmos. Selecionamos três entre as mais relevantes enunciadas pelo Papa Francisco:
– A raiz humana da crise ecológica
101. Para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz humana da crise ecológica. Há um modo desordenado de conceber a vida e a acção do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar. Não poderemos deter-nos a pensar nisto mesmo? Proponho, pois, que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua acção no mundo.
Para a vida pessoal e em comunidade, existe, pois, uma crise profunda do antropocentrismo com as suas consequências para vida pessoal e em comunidade.
116. Nos tempos modernos, verificou-se um notável excesso antropocêntrico, que hoje, com outra roupagem, continua a minar toda a referência a algo de comum e qualquer tentativa de reforçar os laços sociais. Por isso, chegou a hora de prestar novamente atenção à realidade com os limites que a mesma impõe e que, por sua vez, constituem a possibilidade dum desenvolvimento humano e social mais saudável e fecundo. Uma apresentação inadequada da antropologia cristã acabou por promover uma concepção errada da relação do ser humano com o mundo. Muitas vezes foi transmitido um sonho prometeico de domínio sobre o mundo, que provocou a impressão de que o cuidado da natureza fosse actividade de fracos. Mas a interpretação correcta do conceito de ser humano como senhor do universo é entendê-lo no sentido de administrador responsável.
– O relativismo prático
122. Um antropocentrismo desordenado gera um estilo de vida desordenado. Na exortação apostólica Evangelii gaudium, referi-me ao relativismo prático que caracteriza a nossa época e que é «ainda mais perigoso que o doutrinal».Quando o ser humano se coloca no centro, acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses contingentes, e tudo o mais se torna relativo. Por isso, não deveria surpreender que, juntamente com a omnipresença do paradigma tecnocrático e a adoração do poder humano sem limites, se desenvolva nos indivíduos este relativismo no qual tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante. Nisto, há uma lógica que permite compreender como se alimentam mutuamente diferentes atitudes, que provocam ao mesmo tempo a degradação ambiental e a degradação social.
– Uma ecologia integral como horizonte de toda a ecologia
137. Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais.
A ecologia de que fala a Laudato Si’ é, assim, simultaneamente, uma ecologia ambiental mas também económica, cultural, política, bem como uma referência para a ecologia na vida no quotidiano.
147. Para se poder falar de autêntico progresso, será preciso verificar que se produza uma melhoria global na qualidade de vida humana; isto implica analisar o espaço onde as pessoas transcorrem a sua existência. Os ambientes onde vivemos influem sobre a nossa maneira de ver a vida, sentir e agir. Ao mesmo tempo, no nosso quarto, na nossa casa, no nosso lugar de trabalho e no nosso bairro, usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade. Esforçamo-nos por nos adaptar ao ambiente e, quando este aparece desordenado, caótico ou cheio de poluição visiva e acústica, o excesso de estímulos põe à prova as nossas tentativas de desenvolver uma identidade integrada e feliz.
A Fundação Betânia empenhou-se numa colaboração muito intensa nas várias actividades realizadas em Setembro de 2019 levadas a efeito pela rede Cuidar da Casa comum. A Igreja ao erviço da ecologia integral.
No que fica escrito gostaria de suscitar entre os seus membros e participantes o desejo de fazer surgir “focos de conversão ecológica” nos respectivos meios de acção em que as pessoas se encontram inseridas e servir de plataforma de partilha nesta área.