Ano A 01 Baptismo do Senhor
Baptismo do Senhor
Autor: Luciano Manicardi
Baptismo do Senhor (9 jan. 2017)
Autor: Luciano Manicardi
Is 42,1-4.6-7; Sl 28,1-4.9b-10; Act 10,34-38; Mt 3,13-17
O acontecimento do baptismo de Jesus no Jordão por obra de João, acontecimento a seguir ao qual o Espírito de Deus desce sobre Jesus (evangelho), é pré-anunciado pela figura do Servo do Senhor sobre o qual Deus põe o seu Espírito (1.ª leitura) e proclamado por Pedro na sua pregação como acto com o qual Deus “ungiu” Jesus com o Espírito Santo (2.ª leitura). O Espírito de Deus que permanece sobre Jesus significa a comunhão plena entre o Pai e o Filho, entre Deus e Jesus.
A comunhão de Jesus com Deus (evangelho) exprime-se horizontalmente, isto é, nas relações humanas, por um lado como recusa de condenar e de julgar (1.ª leitura), por outro como activo fazer o bem e curar quem se encontra em necessidade (2.ª leitura). De facto, as acções de quebrar a cana rachada e de apagar a mecha fumegante que o Servo do Senhor não realiza, referem-se aos gestos que, ao contrário, fazia o arauto do Grande Rei da Babilónia quando decretava uma condenação à morte: o sentido é que o Servo do Senhor não vem para condenar, mas para dar vida (1.ª leitura). E na pregação de Pedro, Jesus aparece como aquele que “passou fazendo o bem e curando todos os que estavam sob o poder do diabo, porque Deus estava com ele” (2.ª leitura).
Jesus desloca-se da Galileia para o Jordão com o objectivo preciso de se fazer mergulhar no Jordão por João (cf. Mt 3,13), mesmo contra a vontade do Baptista, que “queria impedir-lho” (Mt 3,14). O encontro entre os dois homens torna-se assim um exemplo de obediência e submissão recíprocas: Jesus submete-se à imersão de João e João renuncia à sua prória necessidade espiritual (“tenho necessidade de ser imerso por ti”: Mt 3,14) e aceita mergulhar Jesus. A obediência recíproca torna-se obediência a Deus: a justiça cumprida pelos dois é, de facto, a realização da vontade de Deus. A justiça, biblicamente, é a conformidade com a vontade divina. A obediência é aqui entendida no seu aspecto adulto e maduro de acção comum e recíproca, não como acto infantil ou mortificação individual ou abdicação da sua própria vontade feita por uma pessoa para realizar a de outrem, com os riscos que isso comporta de abuso, de jogos de poder e de subjugação. A obediência aqui é acontecimento de comunhão e de caridade que permite o cumprimento do plano divino. É um acto livre, não impessoal, nem sem motivação, mas relacional e que acontece no reconhecimento recíproco e no amor.
Este encontro entre dois homens, dois celibatários, é particularmente intenso porque os dois homens de Deus reconhecem a vocação peculiar um do outro. Se João reconhece ter necessidade de ser submergido no Espírito Santo de Jesus (cf. Mt 3,11.14), Jesus reconhece que a imersão de João vem de Deus (cf. Mt 21,25) e que o Baptista veio pelo caminho da justiça (cf. Mt 21,32). O critério que torna livre a relação é fazer a vontade de Deus. Jesus não se submete à imersão de João para comprazê-lo ou por gosto de submissão, nem sequer por amizade, mas porque só assim é realizada a vontade de Deus. Este é também o critério que deve reinar na comunidade cristã, para que as relações sejam límpidas, castas, autênticas (cf. Mt 7,21; 12,50).
João é precursor do Messias deixando fazer, concordando com Jesus (cf. Mt 3,15). É uma forma de eficácia que não está completamente ligada ao tomar a iniciativa ou ao agir, mas ao não agir, ao deixar fazer o Senhor, ao concordar com o Senhor. João dá espaço a Jesus. A fé, como deixar fazer o Senhor, é o activo e custoso dar espaço ao Senhor. É acção sobre si, e este tipo de acção é a mais difícil.
A acção obediente de João está ao serviço da experiência de filialidade que Jesus vive no momento da imersão no Jordão. Se simbolicamente o sair da água remete para um acontecimento de nascimento, a cena do baptismo alude à paternidade de Deus manifestada pela palavra do alto, pela voz do céu, mas alude também à maternidade de Deus, simbolizada pela ruach, o Espírito, o espaço vital do qual o homem colhe a vida. O teólogo François Xavier Durrwell escreveu: “O Espírito é o seio em que Deus é fecundo como uma mãe.”
© – Luciano Manicardi