Ano A 01 domingo advento
I domingo do Advento
Autor: Luciano Manicardi
I domingo do Advento
Autor: Luciano Manicardi
Is 2,1-5; Sl 121, 1-2.3-4a.(4b-5.6-7.)8-9; Rm 13,11-14; Mt 24,37-44
O acontecimento final e decisivo da história da salvação profetizado por Isaías e anunciado pelo evangelho como “vinda do Filho do Homem” é tomado nas leituras de hoje na sua dimensão judicial: ele julga as violências e as guerras que os homens desencadeiam (1.ª leitura); as imoralidades em que se perdem (2.ª leitura); a inconsciência e a ignorância culposas com que se anestesiam (evangelho). O anúncio escatológico não é uma mensagem espiritualista, mas tem um impacto forte sobre a história dos povos (1ª leitura), sobre a quotidianidade das existências dos crentes (evangelho) e sobre o seu comportamento (2.ª leitura).
A simbólica da polaridade noite-dia, trevas-luz, atravessa as três leituras e transmite uma mensagem que pretende despertar o crente e levá-lo à conversão. São as trevas das gentes que não conhecem o caminho a percorrer e que são iluminadas pela Palavra de Deus (“Caminhemos à luz do Senhor”: Is 2,5); são as trevas da geração de Noé que não compreende nada, não sabe discernir o tempo e os seus sinais e, por isso, perece; é a noite que requer que o dono da casa vigie para impedir o ladrão de assaltar a casa (evangelho); é a noite símbolo do pecado, da qual o crente é chamado a acordar deitando fora as obras das trevas e usando as armas da luz (2.ª leitura).
O primeiro domingo do Advento, que marca o princípio de um novo ano litúrgico, contém um convite a recomeçar: trata-se de recomeçar o caminho de fé escutando de novo a Palavra de Deus (1.ª leitura); recordando os inícios da fé, portanto do baptismo (2.ª leitura); assumindo a vida quotidiana como lugar de vigilância e de discernimento (evangelho). Nesta perspectiva de início ou reinício, é significativo que a passagem de Paulo tenha sido decisiva para a conversão de Agostinho (Confissões VIII,12,29). Escutando a voz que diz “pega e lê”, Agostinho abre a Escritura e encontra a passagem que diz: “Não nas comezainas e bebedeiras, não nas orgias e na impudícia, não nas contendas e nas invejas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não satisfaçais a carne na concuspiscência.” Afirma Agostinho: “Não quis ler mais, nem precisava. De facto, mal terminei a leitura desta frase, uma luz, quase de certeza, penetrou no meu coração e todas as trevas da dúvida se dissiparam.” Também Agostinho vive o seu despertar, a sua passagem das trevas à luz.
O evangelho, instituindo um paralelo entre o dilúvio, que perturba a quotidianidade repetitiva da vida da geração de Noé, e a vinda do Filho do Homem, adverte para que não nos afoguemos na banalidade dos dias. A geração de Noé não é descrita por Jesus como malvada ou ímpia, mas simplesmente como inconsciente: “Não se aperceberam de nada” (Mt 24,39). A geração de Noé pereceu por falta de discernimento. E, assim, pereceu duas vezes: no dilúvio e em não saber porquê. Noé, pelo contrário, soube discernir e, desse modo, salvou-se a si próprio e ao futuro: o discernimento do hoje salva o futuro. E esta é a responsabilidade. A culpa, se de culpa se pode falar, que se entrevê no nosso texto é, portanto, a irresponsabilidade, a ausência de discernimento.
Vigiar significa exercitar a inteligência, a reflexão, o pensamento sobre os tempos que se vivem, para não se ser surpreendido por catástrofes que se preparam de modo oculto no tempo presente, na Igreja, nas relações familiares e pessoais. O crente é chamado a pensar e conhecer o hoje a partir da vinda do Senhor e das suas dimensões de impensável e de ignorado (cf. Mt 24,36.44).
A vinda do Senhor não obriga apenas a vigiar os tempos, mas também a verdade do próprio coração. A referência às duas pessoas ocupadas no mesmo trabalho e que nada parece distinguir, mas das quais, no entanto, uma é tomada e a outra deixada, indica que aquilo que no quotidiano do presente pode manter-se oculto será manifestado com a vinda do Senhor. A diferença reside na interioridade invisível. In interiore homine habitat veritas (Agostinho); “O caminho do conhecimento leva à interioridade” (Novalis).
© – Luciano Manicardi