Ano A 02 domingo advento
II domingo do Advento
Autor: Luciano Manicardi
II domingo do Advento
Autor: Luciano Manicardi
Is 11,1-10; Sl 71, 2.7-8.12-13.17; Rm 15,4-9; Mt 3,1-12
As leituras convergem na entrega de uma mensagem centrada no Messias: o Messias é aquele sobre quem repousa o Espírito de Deus com os seus dons (1.ª leitura); Jesus, o Messias é aquele que, segundo a palavra da Escritura, cumpriu as promessas de Deus feitas aos patriarcas (2.ª leitura); o Messias, aquele que baptizará no Espírito Santo e no fogo, é o mais forte anunciado pelo Baptista (evangelho). Ele é revelado pelo Espírito (1.ª leitura), profetizado pelas Escrituras (2.ª leitura), indicado por um homem, João, o profeta e precursor (evangelho). Também na vida cristã, o Espírito, as Escrituras e um homem de Deus, um profeta, um pai espiritual, desempenham uma função de magistério e de preparação para o acolhimento do Senhor que vem.
João anuncia O Que Vem pedindo conversão. Para acolher o Senhor é preciso preparar-se e João mostra um aspecto importante da conversão, ou melhor, a unidade entre vida e pregação, entre dizer e fazer. Ele pede que se prepare no deserto uma estrada para o Senhor, encontrando-se ele próprio no deserto a preparar o caminho ao Que Vem. Esta unidade fundamenta a autoridade do pregador tornando-o uma testemunha. Ele revela-se, como é frequente nos profetas, um sinal: ou seja, uma Palavra de Deus feita carne que, com a própria maneira de viver, aponta o Senhor que vem e prepara para o acolher.
João tomou o caminho do deserto não por ascetismo ou para fazer exercícios espirituais, mas para viver a verdade da sua própria e pessoalíssima vocação de profeta e precursor do Messias (cf. Mt 11,9-10) e para restituir verdade ao caminho do Senhor, pois ela tinha sido opacizada pelos homens religiosos que “dizem e não fazem” (Mt 23,3) e por isso acabam na hipocrisia. E João prepara os seus discípulos para a vinda do Senhor levando-os a serem verdadeiros neles próprios: a confissão dos pecados (cf. Mt 3,6) é sinal da vontade de encontrar a rectidão do próprio caminho diante de Deus. A conversão inicia-se a partir dessa coragem lúcida de encontrar a própria verdade e, portanto, do reconhecimento humilde de que nos desviámos dessa verdade.
Aquilo que se opõe à coragem da verdade é a inércia de quem vive a fé como se esta fosse uma apólice de seguro, uma reserva de certezas. João vira-se contra quem é habitado pela presunção da salvação, contra quem aprisiona a vitalidade e o risco da fé na rigidez de uma identidade e no imobilismo de uma pertença: quase como se a salvação fosse uma herança que pertence por direito. “Não julguem que podem dizer a vós próprios: ‘Temos Abraão por pai’” (Mt 3,9).
Ao imobilismo de quem se embala numa identidade religiosa habitada de certezas, que não tolera pô-la em questão e ainda menos reconhecer os mecanismos de autojustificação que evitam que se olhe de frente os próprios pecados, João contrapõe uma palavra que é uma ordem e uma revelação: “Convertei-vos” (Mt 3,2). Ordem que deriva da tomada de consciência de que o Reino de Deus está próximo e já não é possível hesitar, pôr-se com delongas, perder tempo, e de que o pecado não é a última palavra, e as situações paralisantes podem ser ultrapassadas. Há qualquer coisa de não cristão, além de profundamente triste, nas expressões que às vezes nos saem: “Eu já não vou mudar”; “Sou assim e não há nada a fazer”. Tudo isto significa que a mudança é pensada como obra do próprio, e não como abertura à acção do Senhor e ao poder da sua graça. Mas a conversão é precisamente isto: “Podemos converter-nos apenas porque Deus, em primeiro lugar, veio ter connosco, dando-nos o seu perdão e abrindo caminho à reconciliação. A conversão é, portanto, acção da graça; é o dom de podermos recomeçar do princípio. “Conversão significa ‘ter a coragem de viver o dom de Deus’” (Walter Kasper). O nosso único verdadeiro pecado é podermos a todo o momento converter-nos, voltar para Deus, e não o fazermos. Converter-se é restabelecer o primado de Deus e da sua graça na nossa vida.
© – Luciano Manicardi