Ano A 02 domingo do tempo comum
II domingo do Tempo Comum
Autor: Luciano Manicardi
II Domingo do Tempo Comum (15 jan. 2017)
Autor: Luciano Manicardi
II domingo do tempo comum (15jan.17)
Is 49,3.5-6; Sl 39,2.-4ab.7.8-9.10-11; 1Cor 1,1-3; Jo 1,29-34
A 1.ª leitura e o evangelho convergem para um centro cristológico e soteriológico. Isaías fala do Servo do Senhor e da sua missão, que tem amplitude universal e consiste em ser “luz das gentes”; o evangelho aplica a Jesus a tipologia do Servo-Cordeiro (o termo aramaico talja’ parece significar tanto “cordeiro” como “servo”; em Is 53, o Servo é apresentado como cordeiro sem voz) e o Baptista anuncia a sua missão universal: “tirar o pecado do mundo”.
Trabalho profético é o de preparar o advento do novum na história. A página de Isaías pré-anuncia o inaudito alargamento do horizonte da missão do Servo (1.ª leitura) e João introduz o novum na história indicando Jesus como Messias, antes desconhecido (“No meio de vós está alguém que não conheceis”: Jo 1,26). O profeta sabe criar esperança e orientá-la, sabe dar rosto e nome àquilo que está a desabrochar no mundo e ajudá-lo a nascer. A profecia é a maiêutica do futuro que dá sentido e luz ao hoje.
O texto do evangelho apresenta discretamente um relance sobre a experiência espiritual de João Baptista, com vista ao conhecimento da identidade profunda de Jesus. João “não conhecia” Jesus na sua identidade messiânica e de revelador do Pai (cf. Jo 1,31.33): mas a escuta da Palavra de Deus (cf. Jo 1,33) tornou o seu olhar atento e soube ver o Espírito pousar sobre Jesus (cf. Jo 1,32.34). A escuta da Palavra torna possível a visão, isto é, a experiência do Espírito. O conhecimento que daí advém não é de facto desencarnado ou intelectual, mas articipante e envolvido: é testemunho (cf. Jo 1,34). O itinerário espiritual do conhecimento de Deus na história pode-se delinear assim: escuta-discernimento-testemunho.
Também ao cristão é dada a incumbência de ver o Espírito, isto é, de discernir a sua presença activa na história e nas vidas dos homens. E o Espírito é tornado visível pelos seus frutos (cf. Gl 5,22), pelas suas manifestações e acções (cf. 1Cor 12,4-11) sobre os homens e sobre as suas relações.
Jesus revela-se o lugar onde o Espírito encontra repouso, morada estável. A sua obediência de enviado, de Servo, de Cordeiro, é enriquecida e completada pela criatividade do Espírito e pelos seus dons multiformes. Obediência e criatividade são elementos inseparáveis também da vida cristã.
O conhecimento de Jesus a que João chega é também um dar a conhecer (cf. Jo 1,31), um conhecimento não fechado sobre si, mas difusivo e irradiante. Tal conhecimento nasce da obediência de João Àquele que o tinha enviado: ele é, portanto, dom a que João se tinha aberto e tornado disponível reconhecendo a sua própria ignorância. Trata-se de um movimento pascal que faz passar das trevas da ignorância à luz do conhecimento. O texto sugere que a missão já não pode ser separada da obediência pessoal à Palavra do Senhor e do envolvimento pessoal com o Senhor.
Nós não podemos dizer que conhecemos Jesus de uma vez por todas. Há um não-conhecimento do Senhor que é vital para o seu devido conhecimento. Um conhecimento demasiado certo do Senhor corre o risco de distorcer os traços revelados pelo evangelho. O Jesus que João apresenta e que os evangelhos mostram é o Jesus revelado pelo Espírito de Deus, não a projecção das miragens do homem; é o Servo obediente, não um dominador tirânico, é um Cordeiro indefeso e inocente, não um Moloch destrutivo ou um poder que cria sofrimento; é o Filho de Deus, não um ídolo concebido pela mente humana ou fabricado pelas mãos do homem. O conhecimento do Senhor é sempre renovado e é apenas como graça, na fé, que é renovado. Ele necessita de ser sempre purificado e afastado do risco de se tornar um hábito gasto. Somos tentados a tornar velho, ultrapassado, anquilosado, atrofiado o nosso conhecimento do Senhor e podemos encontrar-nos a adorar um ídolo, em vez do Senhor vivente. Por conseguinte, vale também para nós crentes, sempre, o humilde reconhecimento de que, embora confessando-o e conhecendo-o, na verdade nós também não conhecemos o Senhor. Só este não-conhecimento liberta o conhecimento de querer ser exaustivo do mistério do Senhor.
© – Luciano Manicardi