Ano A 03 domingo da Quaresma
III domingo
da Quaresma
Autor: Luciano Manicardi
III Domingo da Quaresma
Autor: Luciano Manicard
Ex 17,3-7; Sl 94,1-2.6-7.8-9ab; Rm 5,1-2.5-8; Jo 4,5-42
Depois da visão sintética da história da salvação através da memória de Adão e de Abraão, nas 1.as leituras dos primeiros dois domingos da Quaresma do ano A, os três domingos que se seguem, com as imagens, respectivamente, da água, da luz e da vida, apresentam uma temática sacramental ligada à iniciação cristã.
O dom da água no deserto, que alivia a sede do povo durante o caminho do êxodo é sinal da solicitude de Deus (1.ª leitura); no evangelho o simbolismo da água evoca a acção do Espírito e da Palavra, isto é, “o dom de Deus” (Jo 4,10) que abre a mulher a acolher o dom da fé; o dom do Espírito é sinal do amor divino derramado no coração do homem (2.ª leitura).
O evangelho interpela o crente sobre a sede, sobre o anseio que o habita. E sugere que a nossa sede profunda é sede de encontro e de relação. O encontro entre Jesus e a samaritana é iniciado pelo acto com que Jesus ousa exprimir a sua necessidade perante ela: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). O encontro precisa da coragem de quem se faz pedinte apresentando-se ao outro na sua pobreza. A mulher procura tirar água e Jesus pede-lhe que lhe dê de beber. Interrogando o pedido que Jesus lhe faz, a própria mulher acabará por pedir: “Senhor, dá-me dessa água (Jo 4,15). Esta pobreza partilhada torna-se a base do encontro na verdade. E aquilo que mata a sede parece ser exactamente o encontro: com efeito, segundo a narração, a mulher não tirará água do poço e Jesus não beberá a água.
O encontro inicia-se com um péssimo ponto de partida: o antagonismo com base em categorias. Frente a frente, ao princípio, não estão dois rostos, dois nomes, duas biografias, dois sofrimentos, mas duas categorias: um judeu e uma samaritana (“Como é que tu, que és judeu, me pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?”: Jo 4,9). A coragem do diálogo, de interpor uma palavra entre si e a mulher, permite o início do caminho que conduzirá ao encontro e que levará a mulher à fé. O espanto da mulher (“Como é que…) é o primeiríssimo sinal de um caminho da mulher até Jesus, mas que será igualmente até si mesma, será caminho interior, será coragem de enfrentar a sua própria verdade profunda.
“Se conhecesses quem é aquele que te diz…” (Jo 4,10). Ninguém é apenas pertença étnica ou confissão religiosa. Da polaridade agressiva e hostil nós-vós (cf. Jo 4,20), é necessário passar ao coenvolvente eu-tu. Jesus chegará a dizer-se e a dar-se com as palavras: “Sou eu, que te falo” (Jo 4,26). Jesus vence as barreiras identitárias que os homens erguem e que, quando se sedimentam, se tornam, por um lado, uma segunda pele, uma espécie de identidade acrescentada, e, pelo outro, a lente (deformante) com que olhamos os outros, avaliando-os segundo as nossas definições e arrumando-os nas nossas categorias. A identidade não é um dado fixo, mas acontece e evolui no encontro com o outro.
Momento importante no itinerário do encontro é aquele em que Jesus convida a mulher a passar do pedido que ele lhe fez para o pedido que ele próprio é (cf. Jo 4,10). O verdadeiro diálogo não impõe, mas suscita e aumenta o interesse recíproco. E alimenta-se de perguntas sempre novas mais do que respostas exactas e definitivas.
O texto apresenta uma pedagogia para a fé em que a mulher reconhece Jesus como profeta (v.19) e Messias (vv. 25-26.29) e, desse modo, torna-se apóstola, anunciadora de Jesus salvador do mundo (vv. 28-30.39-42). A mulher torna-se crente e evangelizadora. Mas o caminho do reconhecimento de Jesus como Senhor implica um caminho simultâneo de conhecimento de si, em que mesmo os aspectos moralmente mais problemáticos, aqueles que em geral uma pessoa tem dificuldade em confessar a si própria, são reconhecidos. Só assim o encontro acontece na verdade. O culminar deste encontro na verdade é o momento em que a mulher recebe de Jesus a descrição de tudo o que fez (v. 29). A descrição que ela por vergonha ocultava a si própria é-lhe feita agora por um outro que a acolhe e não a julga, e isso leva-a a aceitar-se e a conhecer-se diante de Jesus.
© – Luciano Manicardi