Ano A 04 domingo advento
IV domingo do Advento
Autor: Luciano Manicardi
IV domingo do Advento
Autor: Luciano Manicardi
Is 7,10-14; Sl 23, 1-2.3-4ab.5-6; Rm 1,1-7; Mt 1,18-24
O anúncio da vinda do Senhor, que domina o Advento, torna-se, no IV domingo, anúncio da encarnação, da sua vinda em carne: acontecimento anunciado na profecia isaiana do nascimento de um menino, um descendente real (1.ª leitura), manifestado pelo anúncio do anjo a José do nascimento de um filho de Maria por obra do Espírito Santo (evangelho), proclamado pela confissão de fé que contém o anúncio do Filho nascido da estirpe de David segundo a carne e constituído Filho de Deus segundo o Espírito mediante a ressurreição (2.ª leitura). Este anúncio pede fé e obediência: se Acaz, com a sua desobediência, mostra incredulidade (1.ª leitura), José acredita no anjo e obedece-lhe (evangelho); o que Deus cumpriu em Jesus Cristo e que o Apóstolo anuncia aos homens destina-se a obter “a obediência da fé” por parte dos povos, ou melhor, a fé que se exprime como obediência e a obediência que se baseia na fé (2.ª leitura). Há uma relação intrínseca entre fé e obediência: a fé consiste em obedecer e a obediência consiste em crer.
O texto de Mateus, o do chamado “anúncio a José”, dá relevo à figura de José como homem de fé e de silêncio. O silêncio de José é sinal de força, de trabalho interior, de domínio de si e das situações, de fé. E é um silêncio que encontra luz na escuridão em que José mergulhou. A gravidez de Maria põe em causa a história que ele estava a projectar com ela, no entanto o texto bíblico sugere que não há situação humana, por mais dilacerante ou dolorosa ou contraditória, que não possa ser vivida com humanidade e com santidade. Se a reacção normal teria sido a de repudiar a mulher, “José, que era justo, decidiu deixá-la em segredo” (Mt 1,19). Em vez de repudiar Maria, abandonando-a ao desprezo geral e comprometendo-a publicamente, José escolhe uma outra solução, escolhe uma via justa e humana, justa porque humana. A justiça de José está no seu ser humano. “O justo deve ser humano” (Oportet iustum esse et humanum: Sb 12,19). Só esta justiça, de facto, honra a imagem de Deus que está no homem, tanto no credor como no devedor, tanto no santo como no pecador. A justiça humana de José olha a pessoa de Maria e não a sacrifica a uma interpretação literal da lei, na qual da pessoa se vê apenas o pecado, o defeito, o erro.
Há aqui uma palavra forte que alerta os cristãos para o risco de desumanidade que as relações intraeclesiais podem sempre conhecer: quando o rosto de uma pessoa é apagado da sua função, quando os indivíduos são sacrificados às leis eclesiásticas, quando as relações são despersonalizadas e funcionais, quando a pessoa se torna meio e não fim. A Igreja “especialista em humanidade” (Paulo VI) não pode senão ser humana, não pode senão dar provas desta experiência com uma prática concreta e quotidiana de humanidade. O anúncio da encarnação torna-se também para a Igreja exortação a que seja humana.
É exactamente nesta humanidade que se insere a fé que vai para além da justiça humana e realiza a vontade de Deus, levando José a tomar consigo Maria como esposa. Deste modo, o escândalo torna-se relação: o acontecimento de contradição torna-se ocasião de obediência a Deus e de realização da sua obra de salvação. José não só não recusa, não repudia, não condena, mas acolhe, toma [apreende] consigo, compreende.
Este caminho interior que conduz José à obediência da fé acontece através da sua reflexão, o seu pensar (Mt 1,20) e através do acolhimento da Palavra do Senhor, condensada na citação escriturística de Is 7,14 (Mt 1,22). Com efeito, o sonho, no mundo bíblico, é um meio de revelação enquanto veículo de uma Palavra de Deus. O elemento decisivo no sonho não é a visão, mas a palavra: “Em sonhos, falaria com ele”, disse Deus a Moisés (Nm 12,6). Na época de Jesus, o sonho era chamado “pequena profecia”: no coração da noite e do sono símbolo da morte, o sonho surge com uma pequena luz que pode iluminar a vida.
© – Luciano Manicardi