Ano A 08 Dezembro – Imaculada Conceição
8 Dezembro, Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria
Autor: Luciano Manicardi
8 Dezembro, Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria
Autor: Luciano Manicardi
Gn 3,9-15.20; Sl 97, 1.2-3ab.3cd-4; Ef 1,3-6.11-12; Lc 1,26-38
A promessa de Deus, que afirma que a inimizade entre a descendência da mulher e a serpente conhecerá a vitória da estirpe da mulher (1.ª leitura), cumpre-se no nascimento do Messias, nascido de Maria, a bendita entre todas as mulheres (evangelho), de modo que o autor da Carta aos Efésios pode cantar que, em Cristo, Deus abençoou os crentes com todas as bênçãos espirituais (2.ª leitura).
Se, na narração das origens, o pecado se manifesta também como desresponsabilização (tanto de Adão como de Eva: cf. Gn 3,12-13), como queda no perverso mecanismo da delegação e culpabilização do outro, o evangelho apresenta Maria como mulher que mostra a sua subjectividade assumindo a responsabilidade da palavra que o Senhor lhe confiou (“Eis-me aqui…”: Lc 1,38) e a 2.ª leitura vê os cristãos como chamados a assumirem a responsabilidade da caridade para viver a santidade.
À pergunta de Deus “Onde estás?” (Gn 3,9) a que Adão se esquiva por medo e vergonha, o evangelho contrapõe a resposta “Eis a serva do Senhor!” com que Maria diz a sua disponibilidade cheia de amor para se deixar plasmar pela Palavra de Deus (cf. Lc 1,38): o amor pleno expulsa o medo. E os cristãos são chamados a viver a santidade que tem como conteúdo a caridade, o amor (cf. Ef 1,4).
Maria, mãe e modelo dos crentes, acredita no impossível: ela, virgem que não tem relações com um homem, terá um filho. E ensina que a fé é uma força que nos impede de adormecer sobre o inelutável e impele a não ceder ao destino, à sorte, ao inexorável. Em cada autêntico acto de fé está sempre implícita a fé na ressurreição, a fé que não se rende à obviedade da morte e à repetitividade coerciva das leis da natureza (a velhice e a esterilidade de Isabel; a virgindade de Maria; mas, sobretudo e antes de mais nada, a morte de Cristo). Crer no impossível não significa, portanto, abrir a porta ao irracional, ao mágico, ao insensato, mas ter sempre presente a ressurreição. A fé crê no impossível porque crê na ressurreição. A fé faz confiança em Deus a quem nada é impossível, ou melhor, que ressuscitou Cristo dos mortos. A força da fé capaz de mover montanhas está toda ali. E não é um mito, mas uma realidade experimental: a fé do pequeno rebanho soube mover multidões e cativar os corações de tantos.
As perguntas de Maria, a sua admiração, o seu embaraço ou, pelo menos, a sua incredulidade, perante as palavras do anjo (cf. Lc 1,29.34), exprimem um aspecto da fé de Maria que deveria ser constitutivo da fé dos cristãos: o pudor, a delicadeza, a discrição. A fé situa-se sempre perante o mistério de Deus e o mistério pede pudor e silêncio, não exibição.
O assentimento que Maria dá às palavras do anjo (cf. Lc 1,38) será saudado por Isabel como o acto com que Maria “acreditou que se cumpririam todas as palavras do Senhor” (Lc 1,45). Maria é a crente porque acreditou: a expressão “crente” não é uma etiqueta identitária ou uma fórmula abstracta de pertença, mas encontra o seu sentido e a sua legitimidade quando é acompanhado de actos, gestos, decisões que reflectem a presença de Deus na existência de uma pessoa. Maria é crente porque a sua fé se tornou eleita, num momento preciso da sua vida e, desse modo, teve influência na sua existência, de facto na sua carne, no seu corpo. A fé de Maria, o seu fiat que responde às palavras do anjo, provoca uma mudança no seu corpo, afeiçoado pela criatura que ela traz agora no seu seio. Mas a fé é sempre assim se se torna corpo, se se faz corpo, , se se inscreve no corpo humano.
A resposta de Maria ao anjo une obediência e subjectividade: sempre na Escritura se encontra um consenso assim explícitamente expresso e articulado ao chamamento de Deus. Maria, a jovem de Nazaré, ao mesmo tempo que se entrega sem reservas ao querer de Deus, manifestando assim obediência e humildade (que são sempre fruto de força interior e de vigor espiritual), exprime também a consciência do seu lugar na história da salvação, a consciência daquilo que Deus fez dela: “Eis a serva do Senhor” ( Lc 1,38)
© – Luciano Manicardi