Ano A 08 domingo do tempo comum
VIII domingo do Tempo Comum
Autor: Luciano Manicardi
VIII Domingo do Tempo Comum
Autor: Luciano Manicardi
Is 49,14-15; Sl 61,2-3.6-7.8-9ab; 1Cor 4,1-5; Mt 6,24-34
A imagem da mãe (1.ª leitura) e do pai (evangelho) descrevem como Deus cuida do homem. A atitude pela qual Deus toma a seu cuidado o homem baseia-se na sua memória, na memória vivida como responsabilidade: “Acaso esquece uma mulher o seu bebé? […] Mesmo que ela se esquecesse, eu nunca te esquecerei” (Is 49,15).
O texto do evangelho afirma a bondade providente de Deus para com os homens. Mas como nos pede o evangelho para compreender a providência, que era uma ideia já bem conhecida da filosofia estóica? Se frequentemente a providência, compreendida como forma da relação entre Deus e o mundo, designa a omnipotência divina que governa o curso das coisas, desde o cosmos até ao indivíduo, esta passagem do evangelho sugere que a entendamos acima de tudo como modo de o homem se colocar diante do mundo, da vida e do Criador. Não é por acaso que o texto alerta o crente para as preocupações, os cuidados e a inquietação. Este modo de o homem se colocar diante de Deus e do mundo é intrínseco ao acto de fé. “Sentir-se amado: eis como resumir a experiência que podemos fazer da providência. Ser amado, ou melhor, sentir que se existe para alguém, mas também graças a alguém (Michel Deneken). O acto de fé experimenta igualmente o tom da confiança e do abandono confiante, de se sentir precedido e acolhido, alcançado e visitado, destinatário do cuidado do Deus fiel. Não se trata de uma atitude meramente optimista ou espiritualista, esquecida da dimensão do trágico e do irredimido que atravessa o mundo, mas da consciência de filialidade que une o crente ao seu Criador e que suscita nele a solidariedade com todas as criaturas, a comunhão com a criação e a responsabilidade em relação aos outros homens.
A afirmação do evangelho da providência de Deus não só não faz o crente desligar-se, mas tende a conduzi-lo ao essencial, libertando-o do que pode tornar-se obstáculo ao pleno crescimento da vida e da fé. A fé no Deus que “sabe aquilo de que tendes necessidade” (cf. Mt 6,32) liberta o olhar do homem do fechamento nas suas próprias limitações e da tentação idolátrica. O olhar de Deus é precisamente o olhar que pro-vê, “vê antecipadamente” e “vê a favor de”: vê para além das necessidades humanas e visa o que é essencial e mais profundo no homem – a sua aspiração – e orienta-o. “Procurai antes de mais o Reino de Deus e a sua justiça e todas aquelas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33). Obviamente, este discurso, que Jesus faz a pessoas que decidiram livremente dedicar a sua vida ao discipulado, não pode ser dirigido a quem vive na miséria e morre de fome.
Jesus convida-nos a não nos preocuparmos com o amanhã, mas a viver cada dia como hoje de Deus. O momento presente é o fragmento de tempo e de vida em que se pode viver plenamente o sentido do tempo e da vida, ou melhor, o amor pelo Senhor e pelas criaturas. Longe de ser uma fuga da realidade, esta recomendação coloca o crente no hoje e chama-o a vivê-lo diante de Deus. Escreveu a irmã Odette Prévost, morta na Argélia em 10 de Novembro de 1995: “Vive o dia de hoje,/ Deus oferece-to, é teu./ Vive-o n’Ele.// O dia de amanhã é de Deus,/ não te pertence./ Não tranfiras para amanhã/ a preocupação de hoje./ O amanhã é de Deus,/ entrega-lho.// O momento presente é uma ponte frágil./ Se a carregas com lamentações pelo ontem/ e inquietação pelo amanhã,/ a ponte cede/ e falta-te o chão.// O passado? Deus perdoa-o./ O futuro? Deus dá-o. / Vive o dia de hoje/ em comunhão com Ele.// […]”
A adesão ao hoje é medida de protecção da tentação de querer possuir o futuro e de ter domínio sobre o amanhã. Ela opõe-se ao difuso consumismo do tempo que se alimenta de horóscopos e de astrologia e é o que permite esperar: “Só há esperança quando se aceita não ver o futuro” (fr. Christian, monge de Tibhirine).
O exemplo das aves que não semeiam nem colhem não pretende, claro, propor atitudes de desligar-se ou de fugir ao trabalho, mas, sim, recordar que não é o homem para o trabalho, mas o trabalho para o homem. O trabalho, assim como a riqueza, pode escravizar o homem, em vez de ajudar ao processo de libertação.
© – Luciano Manicardi