Ano A 1 de Novembro – Todos os Santos
1 de Novembro
– Todos os Santos
Autor: Luciano Manicardi
1 de Novembro – Todos os Santos
Autor: Luciano Manicardi
Ap 7,2-4.9-14; Sl 23,1-2.3-4ab.5-6; 1Jo 3,1-3; Mt 5,1-12a
Na festa de hoje a Igreja celebra a colheita, a safra gloriosa dos sacrifícios vivos agradáveis a Deus em que homens e mulheres, em liberdade e por amor, souberam transformar-se. Ora, se Deus “vê” os seus santos e os reúne junto de si, no seu Reino, vindos de todos os povos e de todas as culturas (1.ª leitura), a santidade é também oferta de vida para o hoje histórico, que pede ao crente capacidade de interioridade e abertura à conversão do coração. Esta via de santidade é um caminho seguindo os passos de Cristo guiado pela esperança (2.ª leitura) e que, ainda que pavimentado de sofrimento e dificuldades, pode ser feito na felicidade e ser motivo de felicidade (evangelho). A página do evangelho das bem-aventuranças pode ser ocasião de uma meditação sobre o sentido cristão da felicidade.
As bem-aventuranças são proferidas a partir de uma experiência, de uma vivência. A declaração (“felizes”) e a motivação (“porque”) dizem de um trabalho interior e espiritual de quem formula aquelas expressões, que encontram o seu fundamento sobretudo na sua mesma experiência. Para Jesus, pobreza de espírito e mansidão, misericórdia e perseguição por causa da justiça foram ocasiões de bem-aventurança, de felicidade. Portanto, antes de ser uma exortação, aquelas são revelação da vivência de Jesus.
A relação entre santidade e felicidade (expressa pela liturgia com a utilização do trecho das bem-aventuranças para a celebração de Todos os Santos) radica-se na vivência de Jesus. Ora, a felicidade de Jesus está ligada ao seu pertencer ao Pai, à consciência da sua filialidade. Jesus reconhece a fonte da sua felicidade na relação com o Pai que fecundou a sua vida, mas Jesus viveu a felicidade fecundando igualmente a vida de outros: curando, perdoando, pregando, escutando. O próprio Jesus disse: “Há mais alegria em dar do que em receber” (Act 20,35). Se a filialidade divina que Jesus vive o faz experimentar a felicidade como dom e como graça, o seu dar fecundidade à vida de outras pessoas é felicidade como virtude, como acto com valor ético, como pró-existência, como dedicação. E é dar felicidade a outros. Esta raiz da santidade, entendida na comum filiação divina, é expressa assim em Heb 2,11: “Aquele que santifica [Jesus] e os santificados [os cristãos] provêm de um só” (ou “de uma mesma origem”: Deus).
Com as bem-aventuranças, Jesus indica ao homem o caminho para a felicidade. Neste sentido pode-se recuperar a tradução (mais cativante que convincente do ponto de vista filológico) das bem-aventuranças feita por André Chouraqui. Em vez de “feliz”, ele traduz por en marche (“a caminho!”; “avante!”). Deste modo, é sublinhado o facto de que, longe de serem fórmulas que beatificam o statu quo de aflições, opressões, pobreza, as bem-aventuranças são densas de um dinamismo libertador. “Felizes vós” porque aflições e pobreza, injustiça e perseguições não têm a última palavra, mas com o advento do Reino de Deus em Jesus, o Messias, então aquelas chegam ao fim. De resto, aquele que proferiu as bem-aventuranças também se atirou contra quem explora e oprime o próximo. Jesus não tolera os atentados contra a dignidade da pessoa humana e restitui as condições para uma vida plena a quem dela está privado.
A experiência de Jesus e as bem-aventuranças caracterizam-se pelo dom da vida como segredo da felicidade da existência. Longe de ser evitar o sofrimento, a felicidade vivida e ensinada por Jesus implica o dom da vida. Esta simplificação da vida como dom é a felicidade vivida e ensinada por Jesus. Escreveu o ir. Roger de Taizé: “O que torna feliz uma existência é avançar para a simplicidade: a simplicidade do nosso coração e a da nossa vida. Para que uma vida seja bela, não é indispensável ter capacidades extraordinárias ou grandes possibilidades: o dom humilde da própria pessoa torna-a feliz.”
A fé na paternidade de Deus está na raiz da confiança que leva o crente a despojar-se de pretensões e a viver naquela essencialidade que consiste em pureza de coração, pobreza de espírito, misericórdia, capacidade de suportar perseguições e hostilidade, tudo realidades que Jesus viveu e que tornam o crente um semelhante a Cristo. Um santo.
© – Luciano Manicardi