Ano A 21 domingo tempo comum
XXI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XXI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Is 22,19-23; Sl 137,1-2a.2bc-3.6.8bc; Rm 11,33-36; Mt 16,13-20
Isaías, o profeta do século VIII, fala de uma obscura troca de poder no reino de Judá. O vizir, o superintendente do palácio, Chebna, é afastado e no seu lugar Deus põe Eliaquim, “servo do Senhor” (Is 22,20), entregando-lhe símbolos da autoridade: as chaves do palácio real, o poder de abrir e fechar, o dever e a responsabilidade de zelar pela vida no palácio do rei (1.ª leitura). Estas imagens são aplicadas a Pedro, que Jesus investe na missão de exercer uma autoridade decisiva no seio da Igreja (evangelho). O tema da autoridade é, assim, central nas leituras. Uma autoridade que é dom do alto e, portanto, não é motivo de vanglória, mas de humildade, de agradecimento, de serviço.
A pergunta de Jesus “Vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15) não espera uma definição dogmática ou uma fórmula de fé, mas interpela sobre a qualidade do envolvimento pessoal com Jesus: por aí se verá se ele é o Senhor, o Messias, o Filho de Deus, ou simplesmente um mestre, um sábio. Aquela pergunta interpela sobre a qualidade da relação que o crente mantém com Jesus. Deixar-se habitar e trabalhar por aquela interpelação é talvez a coisa mais importante na escuta desta perícope do evangelho.
As palavras de Jesus a Pedro (“Tu és Pedro…”), que o investem na autoridade de quem exerce um ministério decisivo para a unidade e a comunhão da Igreja, não retiram a fraqueza e a fragilidade do próprio Pedro, como mostra a continuação do texto do evangelho (cf. Mt 16,21-23). Ainda que edificada sobre rocha, a Igreja é confiada à fragilidade e à instabilidade dos homens. A autoridade de Pedro não fica diminuída, mas sem dúvida que será sempre acompanhada da sua fragilidade constitutiva, pois “o destino da Igreja é como o de Cristo: um caminho na contradição” (Bruno Maggioni). Além disso, a própria experiência da fragilidade vivida na 1.ª pessoa pode libertar a autoridade do risco de desvio no poder, pode ser salvífico memorial da fragilidade dos outros homens e pode fazer do exercício da autoridade a narrativa da misericórdia de Deus.
A expressão “carne e sangue” (Mt 16,17) remete para o humano. O humano na sua fraqueza e fragilidade, mas também na sua vitalidade, na sua força vital, nos seus dons e nas suas capacidades, nas componentes que tornam vivo um homem: inteligência, intuição, sabedoria, criatividade. O texto põe-nos o problema do discernimento entre o que vem de Deus e o que vem de nós, que não é necessariamente discernimento entre bem e mal, mas entre o que, por mais nobre que seja, nasce da nossa humanidade e o que provém do mistério divino e para o qual nos fazemos receptáculo que acolhe. Para acolher o dom do discernimento não é preciso recorrer a técnicas espirituais, mas perseguir uma educação do coração para nos tornarmos pequenos, mais simples; para entrarmos no movimento de conversão que conduz a reconhecermo-nos filhos em relação ao abbá; para penetrarmos cada vez mais fundo no conhecimento de Jesus.
A imagem da pedra remete para o sólido alicerce sobre o qual se pode construir um edifício. Remete em particular para a pedra das fundações do templo (cf. Is 28,14-18). Se o alicerce da Igreja é Cristo, Pedro participa nesta missão: a sua confissão de fé é elemento basilar do edifício eclesial. A sua missão é “fortalecer” e “confirmar” na fé os irmãos (cf. Lc 22,32).
As portas das cidades eram o lugar onde se travavam os combates decisivos. A Igreja de Cristo opõe-se ao poder do mal e da morte (“as portas do Hades”: Mt 16,18) e combate-o com todas as suas forças: o anúncio do Evangelho, os sacramentos, a prática da caridade. O poder da morte não será mais forte do que o p de vida anunciado e testemunhado na Igreja alicerçada no Cristo ressuscitado.
Se as chaves indicam uma autoridade doutrinal (cf. Lc 11,52: “a chave da ciência”) e de governo (cf. Is 22,22), a expressão desligar e ligar implica uma autoridade disciplinar: proibir e permitir, excluir e readmitir. Este poder não está reservado exclusivamente a Pedro, mas estendido também aos outros discípulos (cf. Mt 18,18), portanto, é colegial.
© – Luciano Manicardi