Ano A 27 domingo tempo comum
XXVII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XXVII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Is 5,1-7; Sl 79,9.-12.13-14.15-16.19-20; Fl 4,6-9; Mt 21,33-43
Isaías e Mateus sublinham o tema do fazer: há um fazer de Deus que espera um fazer humano em resposta; em particular, espera da parte da vinha-Israel que dê frutos adequados. A prática do crente é dar fruto: trata-se de entrar numa relação que dá fecundidade. O agir cristão, nomeadamente pastoral, corre muitas vezes o risco da cegueira do activismo, da preguiça pelo peso da inércia, da insensatez de quem “eliminou o sentido e perdeu a motivação para agir” (T. S. Eliot). O esfriar da caridade (cf. Mt 24,12) pode ser acompanhado de um fazer insano, indiscreto e sem discernimento. A fé no fazer de Deus pelo homem, portanto, no seu amor, é o fundamento do agir do crente.
O fazer de Deus pela sua vinha é um trabalhar (cf. Is 5,2) que assim exprime o amor (cf. Is 5,1). O amor é um trabalho, um esforço: o “esforço do amor” (1Ts 1,3). Mesmo para o homem, longe de ser uma actividade fácil e imediata, o amor é um trabalho que exige uma ascese. A maturidade humana encontra na capacidade de trabalhar eficazmente e de amar de forma adulta dois elementos qualificativos decisivos
O amor divino nutre uma expectativa em relação ao amado: não espera amor de volta, mas justiça (cf. Is 5,7). A justiça humana honra o amor de Deus. O amor que espera alguma coisa do amado pratica uma doce violência, mas um amor que não espera nada do amado é simplesmente irreal.
A 1.ª leitura e o evangelho são trechos de teologia da história, de releitura da história à luz da fé. Isaías fala do agir de Deus para com o seu povo e a parábola do evangelho relê a história dos envios dos profetas e da sua rejeição por parte do povo, até ao envio do Filho. Emerge a dificuldade de reconhecer o servo de Deus, o profeta. A alteridade insustentável de Deus torna-se a alteridade do profeta e traduz-se na sua presença incómoda, imprevisível, não enquadrável em etiquetas do tipo “progressista” ou “conservador”. Homem do pathos de Deus, as reacções do profeta aos acontecimentos históricos e eclesiais desafiam o normal bom senso e o comum sentir religioso e, de vez em quando, parecem excessivas, não alinhadas, desproporcionadas, difíceis de compreender, desprezíveis, sem influência. E ele próprio é visto muitas vezes como insuportável, ou ridicularizado como sonhador, ou considerado uma presença a que se pode tranquilamente não ligar nenhuma.
A atitude dos agricultores a quem foi confiada a vinha (cf. Mt 21,33-39) denuncia um perigo permanente na comunidade cristã: a ocupação do espaço eclesial por parte de quem ali exerce uma liderança (cf. Mt 21,38). Isto acontece quando um grupo de pessoas que desempenham funções dirigentes na Igreja absolutiza a sua visão e tenta que se tornem norma geral as opções próprias.
A parábola põe-nos diante do enigma da violência que pode escandalosamente tornar-se presente num espaço religioso. No terreno eclesial, a violência não reveste normalmente formas ostensivas como a violência física, mas mais subtis, como a não escuta, a rejeição, a marginalização, o desprezo, o não-acolhimento, o desinteresse, a pressão e o abuso psicológico.
Sucede assim que ao agir de Deus, que faz da rejeição humana o fundamento da história da salvação (cf. Mt 21,42), seja contraposto o agir eclesial que cria descartados e produz marginalizados. Este é o agir de Deus: “Deus escolhe o que no mundo é ignóbil e desprezado” (1Cor 1,28). Este é o escandaloso agir messiânico, e este é chamado a ser o agir dos messiânicos, os “cristãos”.
O assombro e o escândalo que suscita em nós o agir do dono da vinha, que, depois de ter visto tantos dos seus servos sofrerem um destino violento, envia por fim o filho, quase subvalorizando o risco, é indicativo da nossa distância do pensar de Deus, da radicalidade do seu amor, da loucura da sua gratuidade.
A entrega da vinha a um povo que a fará frutificar não é um juízo sobre a vinha-Israel, mas sobre os seus chefes, e é também convite, e admoestação, aos “herdeiros” a serem fecundos. Nenhuma substituibilidade (os vinhateiros não substituem a vinha!): nenhuma ideia de Igreja como novo e verdadeiro Israel decorre do texto.
© – Luciano Manicardi