Ano A 28 domingo tempo comum
XXVIII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XXVIII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Is 25,6-10a; Sl 22,1-3a.3b-4.5.6; Fl 4,12-14.19-20; Mt 22,1-14
A perspectiva escatológica atravessa a 1.ª leitura e o evangelho: Isaías entrevê o fim da morte e Mateus o juízo final (sobretudo em Mt 22,13).
As imagens utilizadas para evocar o acontecimento final, o Reino, o acto com que Deus põe fim à história cumprindo a história, são humanas, humaníssimas: banquete e boda. A realidade mais divina é expressa com as imagens mais humanas: convivialidade e nupcialidade, alimentação e eros. São imagens que no seu centro têm a relação, o encontro, o amor, a celebração da vida à volta de uma mesa e no abraço nupcial. A vida espiritual cristã realiza-se não com um distanciamento do humano, como se essa fosse a via para ficar mais espiritual, mas como um fazer o que o próprio Deus fez: tornar-se humano, assumir a sua própria humanidade como tarefa a realizar.
A imagem profética do Deus que apronta um banquete para todos os povos, preparando alimentos suculentos e carnes gordas, remete para o amor de Deus pela humanidade. Preparar comida para alguém significa amá-lo, significa dizer-lhe: “quero que vivas”, “não quero que morras”. Mas se o nosso alimentarmo-nos nos faz viver, mas não nos livra de morrer, Isaías acrescenta que Deus “eliminará a morte”, ou melhor, literalmente, “devorará a morte”, “engolirá a morte” (Is 25,8). O Deus que prepara comida para todos os povos cumpre uma promessa de vida para a humanidade inteira, vida que será “para sempre” (Is 25,8). O banquete preparado pelo Deus que devora a morte, um banquete em que comer é também uma libertação da morte, é símbolo de uma realidade diferente da da terra, uma realidade em que Deus reina, não o homem. Desta realidade é representação e pré-anúncio a Eucaristia.
A parábola do evangelho é uma espécie de visão teológica de uma fase da história da salvação. Ela fala alegoricamente do acontecimento pascal messiânico (as núpcias do filho do rei: v. 2), da recusa oposta aos missionários cristãos por parte de Israel (os convidados indiferentes ou violentos até ao homicídio: vv. 3-6), da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. (o rei irado que faz morrer os assassinos e lhes incendeia a cidade: v. 7), da extensão da missão cristã aos pagãos (os convidados que se encontram nas encruzilhadas dos caminhos: vv. 8-10), do juízo que pende sobre a própria Igreja e os seus novos convidados (o homem que não traz o traje nupcial: vv. 11-13). A Igreja, como Israel, está situada no horizonte do juízo.
A parábola desenrola-se na dialéctica entre dom e responsabilidade. O convite é gratuito, mas compromete quem o recebe e pede-lhe que a ele corresponda. O traje nupcial significa o preço da graça. Há uma resposta que o chamado está obrigado a dar ao convite gratuito, uma sinergia em que deve entrar. São muitos os obstáculos que o homem contrapõe à chamada. Antes de mais, a não-vontade: “não quiseram vir” (v. 3). Não basta ser-se convidado, é preciso querer corresponder, pôr a sua própria vontade ao serviço do chamamento. A negligência e a superficialidade de quem não estima adequadamente o dom recebido, não apreende o seu valor e se fecha nos seus próprios horizontes estreitos, nos seus afazeres (v. 5). A agressividade e a violência de quem no convite entregue ou no dom recebido vê apenas a intrusão, não a liberdade e a liberalidade, condenando-se à reactividade e à rebelião. A não-adesão de quem responde ao convite sem a ele corresponder na verdade, sem se deixar mudar, sem entrar numa verdadeira conversão (vv. 11-12)
Um dos inimigos mais insidiosos e difusos da fé, mais temível mesmo para o ateísmo e a oposição aberta, é a indiferença. Bem expressa no v. 5 pelo desinteresse, por não ligar ao convite recebido, por não lhe dar algum peso e por preferir a rotina quotidiana, as pequenas ocupações, os próprios negócios, o próprio interesse. A indiferença deixa o crente numa crise particularmente aguda, porque diz da insignificância e da irrelevância da vida de fé. Mas na medida em que o próprio crente cai no individualismo e na defesa zelosa do próprio interesse e no culto do proveito, também esvazia a sua vida de fé, mostrando não ter vestido o traje nupcial.
© – Luciano Manicardi