Ano A Assunção de Nossa Senhora
Assunção de Nossa Senhora
Autor: Luciano Manicardi
15 de Agosto, Assunção de Nossa Senhora
Autor: Luciano Manicardi
Ap 11,19a.12,1-6a.10ab; Sl 44,10.11-12; 1Cor 15,20-26; Lc 1,39-56
A inversão dos destinos cantada no Magnificat (cf. Lc 1,46-55), visível também nas vidas da estéril tornada fecunda e da virgem tornada mãe (cf. Lc 1,39-45), é um reflexo da inversão radical do destino da história da humanidade ocorrido no acontecimento pascal, na morte e ressurreição de Cristo (2.ª leitura). Acontecimento que tem repercussões em Israel, na Igreja, na humanidade, de que é símbolo “a mulher” que dá à luz o Messias (1.ª leitura). Numa leitura simbólica, Maria aparece como figura representativa da humanidade, representante do Israel fiel, “filha de Sião”, e figura representativa da Igreja e dos crentes em Jesus Messias.
Maria é saudada por Isabel como mulher de fé: “Bendita aquela que acreditou que se cumpririam todas as palavras que lhe foram ditas pelo Senhor” (Lc 1,45). A fé de Maria é um acto preciso, histórico e pessoalíssimo. Não é uma adesão a valores genéricos, mas firme convicção de que a palavra que o Senhor pronunciou a respeito dela se tornará história, realidade, a sua história pessoal e a sua realidade pessoal. Ou melhor, que é já a sua realidade e a sua história que plasma o seu corpo e a sua psique, guia os seus actos, move os seus passos, inspira os seus pensamentos. A fé torna operante a eficácia da Palavra graças à disponibilidade, à abertura e à mudança do crente. Maria já é mãe, e como tal é saudada por Isabel. É mãe a partir do acolhimento da Palavra do Senhor. Se a oração eficaz crê que aquilo que pede já foi obtido (cf. Mc 11,24), a fé manifesta a sua eficácia e o seu poder na convicção de que aquilo que o Senhor diz é realidade, mesmo se vai contra toda a evidência racional, como no caso da virgem a quem é prometido conceber sem conhecer homem.
O Magnificat, oração na boca de Maria e constituída por reminiscências bíblicas, mostra como da oração nasce a oração. A oração, sobretudo comunitária e litúrgica, é capaz de gerar outra oração, sobretudo pessoal. A liturgia desenvolve um magistério eucológico orientando e suscitando a oração dos indivíduos e das comunidades. Temos aqui um belo exemplo de fidelidade e criatividade na oração, de continuidade e inovação no interior de uma tradição de oração. O carácter compósito do Magnificat não invalida a sua originalidade que reside no modo como os versículos citados são combinados e na intenção da pessoa que os “teceu” em conjunto e os reza daquela forma.
Se a fé de Maria se exprime na oração, a sua oração manifesta acima de tudo o reconhecimento do que Deus realizou. Ela que se reconhece vista, olhada por Deus na sua pequenez (cf. Lc 1,48), sabe ver a acção de Deus. É a humildade que se vê. O Magnificat é um canto que se eleva de baixo, da situação de pequenez em que Maria se encontra. Fala de Deus como Senhor, do Salvador, do Poderoso, do Santo, do Misericordioso, de Aquele que operou coisas poderosas. E fala dos soberbos que foram dispersos e dos poderosos que foram depostos dos tronos, enquanto foram elevados os humildes. E, no Magnificat, Maria fala de si como “serva”, em consonância com o Israel servo que o Senhor tinha socorrido. O Magnificat é uma pedagogia de humildade.
A Palavra de Deus que tornou Maria mãe também a tornou filha, fazendo-a renascer, operando nela uma mudança radical: “A quantos acolhem a Palavra deu poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo, 1,12).
O Magnificat permite a Maria compreender como elemento unificador da acção de Deus em relação aos seus, e em relação a toda a história de Israel, a misericórdia. A oração é também discernimento do agir de Deus apreendido no seu núcleo essencial e imprescindível. Mas, lendo a história de Deus com Israel à luz da misericórdia, Maria faz da sua oração também uma profecia: os verbos poderiam ser igualmente declinados no futuro e respeitar a todos os homens, a toda a humanidade. Maria, que acreditou no cumprimento da Palavra de Deus na sua vida, crê igualmente no cumprimento da Palavra de Deus e da sua acção na história humana: crê que o Reino será a realização da história. E compromete cada pessoa que reza quotidianamente o Magnificat a entrar na mesma fé.
© – Luciano Manicardi