Ano A Corpo de Deus
Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
Autor: Luciano Manicardi
Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
Autor: Luciano Manicardi
Dt 8,2-3.14b-16a; Sl 147,12-13.14-15.19-20; 1Cor 10,16-17; Jo 6,51-58
Deus alimenta o seu povo; Deus dá o sustento às suas criaturas. Esta a afirmação que atravessa as três leituras. No deserto Deus alimentou o seu povo com o maná (1.ª leitura); Jesus é o pão dado por Deus para a vida do mundo (evangelho); o único pão que significa Cristo sustenta a comunidade cristã e fá-la participar na única vida do seu Senhor (2.ª leitura).
O alimento que vem de Deus e que permite ao povo sustentar-se na peregrinação pelo deserto, no penoso êxodo para a terra prometida (1.ª leitura), é o pão do povo em peregrinação para o Reino, é o pão que tem uma valência escatológica; é o pão que dá unidade à comunidade constituindo-a como um único corpo (2.ª leitura), radicando-a no dom de Deus e no seu amor, e, portanto, tem uma valência eclesiológica; é o pão vivo que assume o rosto e o corpo de Cristo, que reveste as feições da sua vida e da sua humanidade, da sua carne e do seu sangue (evangelho), e, enquanto tal, tem uma valência cristológica.
As palavras de Jesus – “Eu sou o pão vivo descido do céu: se alguém comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51) – não são tomadas imediatamente no sentido eucarístico e como referência ao pão eucarístico. Estas palavras indicam Jesus como aquele que revela o Pai e que pode dar a vida ao mundo com a sua própria vida, com a interpretação da vida humana que ele mostrou à humanidade na sua existência concreta. O “comer-me” (cf. Jo 6,57), o “comer a minha carne e beber o meu sangue” (cf. Jo 6,53.54.56), remetem o discípulo para a acção espiritual de assimilar na sua própria vida a vida de Cristo. Desta acção faz parte a fé, o crer, faz parte a escuta da palavra das Escrituras, faz parte a prática, o fazer concretamente a vontade do Pai. Não faz parte dela apenas a toma eucarística.
A vida humana de Jesus (a sua carne e o seu sangue), como testemunhada nos evangelhos, é o alimento de que todo o crente está chamado a sustentar-se a fim de que a vida de Jesus viva concretamente nele. A Igreja é o lugar onde a humanidade concreta de cada crente (a sua carne e o seu sangue) é chamada a conformar-se à humanidade de Jesus, à sua vida. Para que seja verdade que uma só vida, uma única vida liga o Senhor e o seu discípulo. Aí a Igreja manifesta-se como lugar da aliança entre o Senhor e o crente.
A vida eterna prometida a quem assimila a sua vida (cf. Jo 6,51.54.58), na realidade, começa já, aqui e agora, para o crente. Trata-se de integrar a morte na vida fazendo da vida um acto de doação de si, um acto de amor seguindo as pisadas de Jesus (cf. Jo 13,34). Como é acto de amor aquele pelo qual Jesus se dá como alimento e bebida aos homens. Como é acto de amor a morte de Jesus, amor que está na origem da ressurreição e da promessa da vida para sempre com o Senhor no Reino.
Na afirmação de que Jesus é o pão que não provém da terra, mas desce do céu e que está destinado a ser comido para dar vida aos homens reside o mistério e o escândalo da permuta e da comunicação: para dar vida é necessário perder vida. Mas a vida que perco em mim vejo-a florescer no outro. Para dar aos homens a vida de Deus, o Filho de Deus entra na vida humana, torna-se participante da carne e do sangue (cf. Heb 2,14) e convida o homem à permuta, à relação, à participação, à comunhão. Convida o homem a comer a sua carne e o seu sangue, isto é, convida-o e habilita-o a participar na sua vida.
Vida de Deus e vida do homem encontram-se no amor, no ágape, alimento que verdadeiramente nutre o homem e realidade que constitui a vida de Deus: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). A eucaristia é o sacramento da caridade, do ágape, no qual o dom de Deus aos homens é a plena narração do seu amor por eles e a fonte de os homens se amarem como Cristo os amou. A comunidade que nasce da Eucaristia é constituída pelo conjunto dos “dadores”, dos “capazes de dom” porque eles próprios “destinatários de dom”, num circuito de dar-se que tem a sua origem no alto, em Deus; é formada por “aqueles que amam” (“Amai-vos uns aos outros”: Jo 13,34) enquanto eles próprios “amados” (“como eu vos amei”: Jo 13,34).
© – Luciano Manicardi