Ano A Domingo de Pentecostes
Domingo de Pentecostes
Autor: Luciano Manicardi
Domingo de Pentecostes
Autor: Luciano Manicardi
Act 2,1-11; Sl 103,1ab.24ac.29bc-30.31.34.; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23
O dom do Espírito celebrado no Pentecostes é visto pelos textos bíblicos de hoje como linguagem da comunidade cristã que consegue comunicar ad extra as obras de Deus (1.ª leitura), como princípio ordenador que regula os dons e os ministérios no interior da comunidade segundo o princípio da “utilidade comum” (1Cor 12,7; 2.ª leitura), como força escatológica que estabelece a paz na comunidade e permite aos discípulos perdoar os pecados (evangelho).
O Espírito cria relação e enxerta em Cristo as relações intraeclesiais, intereclesiais e missionárias. Ele guia cada um e todos na comunidade para assumirem os modos e os pensamentos de Cristo com vista à edificação do único corpo: a Igreja.
O evangelho estabelece um nexo entre Espírito Santo e remissão dos pecados. O Ressuscitado mostra aos discípulos as feridas das mãos e do peito e dá-lhes a paz e o Espírito Santo. Perdoar é dar através das feridas recebidas, é fazer do mal sofrido a ocasião de um gesto de amor, é criar paz com uma superabundância de amor que vence o ódio e a violência sofridos. O Ressuscitado venceu em si próprio, na sua pessoa, com o amor, o mal suportado e, manifestando aos discípulos a continuação do seu amor para com eles, comunica-lhes também a via para participarem na sua vida de Ressuscitado: vencer o mal com o bem, responder à maldade com a doçura, fazer prevalecer a graça sobre a vingança e sobre a retaliação. Antes de ser capacidade de perdão em relação aos outros, o Espírito ensina o crente a reconhecer o mal que habita em si próprio e a vencê-lo com o bem e o amor. De resto, como poderia estabelecer a paz fora de si quem não estabeleceu a paz dentro de si próprio? Como poderia amar o inimigo externo quem não começou por fazer prevalecer o amor sobre os inimigos interiores e sobre o ódio de si?
Fruto do Espírito, o perdão é acontecimento escatológico mais do que ético. Todavia, o dinamismo humano do perdão é longo e custoso. Para perdoar é necessário renunciar à vontade de vingar-se; reconhecer que se sente mágoa pelo mal sofrido e que esse mal me privou realmente de alguma coisa; partilhar com alguém a narração do mal sofrido; dar o nome ao que se perdeu para poder fazer o luto disso; dar à cólera o direito de exprimir-se; perdoar-se a si próprio (sobretudo, o mal infligido por pessoas amadas ou próximas suscita pesados sentimentos de culpa que podem aprisionar-nos para toda a vida); compreender o ofensor, isto é, olhá-lo como um irmão que o mal afastou de mim; encontrar um sentido para o mal recebido; saber-se perdoado por Deus em Cristo. Este caminho vive o crente abrindo-se às energias do Espírito que fazem reinar Cristo nele e nas suas relações.
O Espírito é dom e promessa: as duas coisas ao mesmo tempo. Como dom, é verificável na vida do crente e da Igreja nos frutos de caridade, paz, benevolência, paciência, mansidão; como promessa, abre o futuro, suscita a esperança, dá uma direcção de caminho. No nosso texto, o Espírito é dom e compromisso: dom do Ressuscitado que compromete os discípulos na missão. Missão que, tendo no seu centro a remissão dos pecados, é essencialmente fazer esperar, dar uma forma possível de viver ao tempo dos homens, abrir horizontes de sentido narrando o perdão de Deus.
O Espírito, enquanto dom de Deus, dá ao crente e à Igreja a forma Christi. Como o Ressuscitado dá o Espírito através do seu corpo, corpo ferido e ressuscitado, assim o Espírito, recebido pelos discípulos, vivifica o seu corpo psicofísico (paralisado pelo medo) e o corpo eclesial que eles formam (imobilizado em enclausuramento). O Filho, enviado pelo Pai, deu aos homens o rosto e a humanidade de Deus, e agora dá-lhes o fôlego, o sopro de Deus graças ao qual eles poderão dar ao mundo, com os seus corpos, as suas vidas e as relações que viverão, a narração do rosto de Cristo. Narração que no dar o perdão encontra o seu momento mais alto. A Igreja é chamada não a julgar ou a condenar, mas a narrar a grande obra de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos: a remissão dos pecados, o perdão.
© – Luciano Manicardi