Ano A Epifania do Senhor
Epifania do Senhor
Autor: Luciano Manicardi
Epifania do Senhor (8 jan. 2017)
Autor: Luciano Manicardi
Is 60,1-6; Sl 71,2.7-8.10-13; Ef 3,2-3a.5-6; Mt 2,1-12
A cidade de Jerusalém (1.ª leitura); a casa (o texto fala de oikía, “casa”, não de gruta) de Belém onde está deitado o recém-nascido (evangelho); o ministério apostólico de Paulo (2.ª leitura): os três textos põe-nos diante de três meditações sobre a revelação de Deus e sobre a sua vontade de estender a todo o homem o seu plano de salvação. Se a cidade de Jerusalém sobre a qual brilha a luz de Deus e para a qual se dirigem todos os povos é profecia do acontecimento messiânico no seu alcance escatológico, o ministério apostólico com que Paulo se dirige aos pagãos chamando-os à fé, depois de ter recebido por revelação o conhecimento do mistério pelo qual também os pagãos são chamados a formar, em Cristo Jesus, um único corpo, é disso o testemunho nos tempos da Igreja. A casa de Belém, onde se encontra o recém-nascido Jesus e para a qual a estrela aparecida no Oriente guia os Magos, é o lugar periférico, marginal, escolhido por Deus para a realização do seu plano salvífico: a verdadeira luz é reconhecida na fraqueza da carne humana do recém-nascido. Ele é a luz anunciada pelo profeta, indicada pela estrela, testemunhada pelo Apóstolo.
O encontro com Deus necessita de sinais, de mediações, fortes e impalpáveis ao mesmo tempo, como todos os sinais de luz.
O texto do evangelho apresenta a procura de Deus por parte dos Magos: procura feita de confiança, caminho, indagação e, finalmente, encontro. A confiança de quem se deixa guiar por sinais dos céus e lhes obedece; o caminho precário de quem não pré-determina a estrada a percorrer, mas avança sem conhecer a meta; portanto, um caminho marcado pela precariedade e insegurança, mas vivificado por uma espera ardente; a seguir, a indagação que denota a humildade de quem deve confiar-se a outros, a quem desfrutou da revelação e conhece a Escritura; por fim, o encontro, que acontece sempre como troca de dons e partilha de pobreza. O caminho dos Magos apresenta assim diversas analogias com o caminho de Abraão, que, em obediência à Palavra de Deus, inicia um caminho em direcção a um destino que não conhecia e que o Senhor lhe teria indicado, caminho marcado pela sua condição de estrangeiro e pela precariedade, e orientado pela espera do cumprimento. Se o caminho de Abraão é uma procura originada pela fé no Deus único, o caminho dos Magos é um caminho que conduz à fé no Deus de Jesus Cristo.
Os Magos necessitam da Torah para chegar ao Messias: a luz da estrela deve ser acompanhada pela luz da Palavra de Deus. A Escritura não é apenas o Livro que indica o local do nascimento do Messias, mas o Livro que, para o crente, lê o mundo, interpreta-o, dá-lhe um sentido. E permite encontrar o Cristo na quotidianidade dos acontecimentos e das relações.
À luz pela qual os Magos aceitam deixar-se iluminar opõem-se as trevas em que Herodes escolhe permanecer: a primeira manifesta-se como alegria e exprime-se no dar (cf. Mt 2,10-11); a segunda é sinónimo de perturbação, manifesta-se como vontade de suprimir (cf. Mt 2,3.13), como mentira e duplicidade (cf. Mt 2,7-8).
Mas há umas trevas que persistem mesmo nos nossos corações e nas nossas mentes quando entendemos a revelação divina e o seu plano salvífico em sentido exclusivo e excludente, atribuindo ao Deus de toda a carne as nossas mesquinhices, as nossas desconfianças em relação ao outro, as nossas rejeições do diferente e do distante. O caminho dos Magos deve tornar-se espiritualmente o nosso caminho de conversão do “contra” para o “com”. De resto, nós, que provimos dos gentios, do mundo pagão, já beneficiámos do alargamento da herança prometida a quem provinha do povo eleito: nós étnico-cristãos somos entrevistos pela Carta aos Efésios quando fala daqueles que se tornaram co-herdeiros (coheredes), participantes do mesmo corpo (concorporales) e comparticipantes (comparticipes) da promessa, ao lado e juntamente com os judeo-cristãos (Ef 3,6). A passagem do contra ao com funda-se assim sobre a morte e ressurreição de Cristo, acontecimento em que Jesus venceu a inimizade e estabeleceu a paz entre os dois povos, entre o judeu e o grego. A nossa luz não pode encontrar uma garantia em pensar que os outros estão nas trevas. Nem pode significar a vontade de manter os outros nas trevas. A luz de Cristo veio ao mundo para iluminar todo o homem.
© – Luciano Manicardi