Ano A Jesus Cristo Rei do Universo
Jesus Cristo Rei do Universo
Autor: Luciano Manicardi
Jesus Cristo Rei do Universo
Autor: Luciano Manicardi
Ez 34,11-12.15-17; Sl 22,1-2a.2b-3.5-6; 1Cor 15,20-26.28; Mt 25,31-46
Este último domingo do ano litúrgico apresenta uma mensagem escatológica centrada numa intervenção de Deus que é de juízo. Na 1.ª leitura, Deus anuncia que ele em pessoa realizará um juízo sobre o seu povo, não só em relação aos líderes (carneiros e cabras), mas a todos os membros do povo (ovelhas). O evangelho apresenta Jesus como rei e juiz escatológico, que separa ovelhas e cabras, que efectua o juízo de todos os homens baseando-o na prática concreta de caridade. Paulo fala da extensão do senhorio de Cristo Ressuscitado que atingirá o seu ápice na submissão do poder da morte, que domina na criação submetendo-a à caducidade.
O juízo é elemento central da fé cristã. O anúncio do juízo visa suscitar a responsabilidade do crente no mundo, a fim de que a sua prática unifique misericórdia e justiça. O seu alcance universal, pelo qual diz respeito a cada homem, é entendido também no sentido de juízo de todo o homem, ou melhor, como olhar de Deus que faz emergir o bem e o mal que habitam no coração do próprio homem: “O mesmo homem é em parte salvo e em parte condenado” (Ambrósio, in Ps. CXVIII Expositio, 57). Para que Deus seja tudo em todos, para que só o amor reste e não haja mais mal, é necessário o fogo purificador do encontro com o Senhor, que queimará o que em nós é contrário ao amor.
A evocação do juízo por Mateus, com o elemento determinante da surpresa dos julgados, põe a nu o coração do homem e leva o leitor do evangelho a interrogar-se sobre a qualidade da sua práxis.
O juízo é também o acto através do qual Deus pode instaurar a sua justiça e o seu senhorio sobre a história e sobre a humanidade. O juízo é medida de justiça divina em relação a todos aqueles que na história foram oprimidos e explorados pelos homens, que na vida foram apenas vítimas, sem subjectividade, sem voz, sem direitos.
O juízo destaca em particular a omissão, o pecado do não-fazer. Ou seja, o pecado mais difuso e que mais facilmente se pode encobrir com justificações e desculpas. “Não amar” é o grande pecado: Deus julga-nos no doente ou no preso que não visitamos, no necessitado de quem não cuidamos, no outro que não amamos. Se o juízo de Deus é o seu olhar que vê o que habita no coração do homem, ele desmascara acima de tudo o que não quisemos ver: ele vê o nosso ver e o nosso não-ver.
Este olhar de Deus julga também o tipo de olhar que temos sobre o pobre e o necessitado. Julga o nosso julgar do outro segundo o qual um preso é alguém que tem o que merece, o estrangeiro é alguém que perturba a nossa tranquilidade, o doente é alguém que paga pelos seus pecados… O juízo divino julga o nosso fechar o coração a quem está em necessidade (cf. 1Jo 3,17).
A universalidade do juízo emerge também do facto de que se baseia na avaliação dos gestos humanos, humaníssimos, feitos (ou não feitos) por crentes e por não crentes. Os simples gestos de ajuda, caridade e proximidade expressos em Mt 25,31-46 constituem uma espécie de gramática elementar da relação humana com o outro. Uma gramática sem a qual se deixará de poder compor uma frase verdadeiramente cristã. O rosto suplicante do outro interpela-me: o homem é aquele que responde por um outro homem.
Nos exemplos de ajuda e proximidade enumerados no texto do evangelho há um aspecto frequentemente ignorado na reflexão: a capacidade de deixar-se ajudar, de deixar-se abordar, tocar, cuidar. A capacidade e a humildade de deixar-se amar activamente. Uma capacidade que revela uma dimensão de pobreza mais radical que a doença ou a fome ou a nudez e que se chama humildade. A humildade que pode nascer das humilhações trazidas pela vida ou causadas pelos homens.
Como aprender a fazer o bem aos outros? Pelo seu próprio desejo, responde Jesus quando diz para fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem a nós (cf. Mt 7,12). E o desejo que temos é de ser amados, de que venham ao nosso encontro na nossa necessidade. Assim, “aquele que faz bem ao seu próximo, faz bem a si mesmo, e aquele que sabe amar-se a si mesmo, ama também os outros” (Antonio, Lettera IV,7).
© – Luciano Manicardi