Ano A Santíssima Trindade
Santíssima Trindade
Autor: Luciano Manicardi
Santíssima Trindade
Autor: Luciano Manicardi
Santíssima Trindade
Ex 34,4b-6.8-9; Cant. Dn 3,52-56; 2Cor 13,11-13; Jo 3,16-18
As três leituras bíblicas orientam a celebração de hoje da Trindade Divina para a contemplação do Deus extrovertido, do Deus que se comunica ao homem, do Deus cujo amor é para o mundo, em suma, do Deus pro nobis. De resto, o dogma trinitário não é senão “o esforço obstinado de ir até ao fim na afirmação de João para quem ‘Deus é amor’ (1Jo 4,8)” (Rémi Brague).
Depois do pecado do bezerro de ouro, Deus manifesta-se uma segunda vez aos filhos de Israel, descendo sobre o Sinai para lhes comunicar o seu Nome, que o revela como compassivo e misericordioso, capaz de graça e de perdão. É o Deus condescendente, que desce para chegar até ao homem no seu pecado (1.ª leitura). O evangelho apresenta o Deus que ama a tal ponto o mundo, a humanidade, que dá o seu Filho para a salvação do mundo. O filho único é toda a vida de um pai, é o que ele mais ama de tudo o que ama: o Deus que dá o seu Filho é o Deus movido por um amor louco. Há um excesso no amar de Deus e este excesso é o Filho Jesus Cristo. A bênção que consta na 2.ª leitura quer estabelecer a presença de Deus na comunidade dos cristãos de Corinto. Estes são por isso exortados a acolher e a deixar actuar entre eles a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo.
A presença de Deus necessita sempre de uma mediação humana para ser compreendida como presença de bênção e de amor. Moisés, inocente do pecado cometido pelos filhos de Israel, inclui-se livremente no grupo dos pecadores (“perdoa a nossa culpa e o nosso pecado”: Ex 34,9) para interceder junto de Deus a favor do povo. Jesus narra com a prática da sua vida e com a sua autodoação o amor louco de Deus pelos homens. Paulo, com o seu ministério e a sua paternidade apostólica, procura fazer da comunidade de Corinto uma morada do “Deus do amor e da paz” (2Cor 13,11).
A acção do Deus trinitário é perdão (1.ª leitura), amor (evangelho), comunhão (2.ª leitura) e pode ser experimentada graças à fé (evangelho).
“Tanto, de facto, amou Deus o mundo que deu o seu Filho unigénito” (Jo 3,16). Literalmente, este é o início do nosso texto do evangelho. Que sublinha a modalidade do amor de Deus, modalidade que remete para quanto foi dito nos versículos precedentes, que falam da necessidade de ser elevado o Filho do homem (cf. Jo 3,14-15), baseando-a na continuidade com o gesto de Moisés que ergueu a serpente no deserto, a fim de que quem quer que a olhasse tivesse vida. É, portanto, um tanto, uma modalidade, uma forma do amor de Deus, que é acima de tudo fidelidade. Fidelidade de Deus ao povo com o qual se ligou numa aliança, à história conduzida com o povo, ao seu Nome em que a medida da misericórdia supera em muito a medida do juízo (cf. Ex 34,6-7). Trata-se de fidelidade àquele que é infiel e de amor por aquele que não corresponde: a fidelidade e o amor de Deus tornam-se a sua responsabilidade para com homens pecadores. Só assim o amor de Deus é verdadeiramente pelo mundo, pela humanidade inteira, por cada pessoa. E só assim o seu amor, unilateral e incondicional, não condena, mas salva.
Tanto amou Deus. O tempo do verbo amar remete para um acontecimento histórico preciso: a morte na cruz de Jesus (cf. Rm 5,8). O amor de Deus manifestado na cruz assume a forma do escândalo, do excesso, que, na sua unilateralidade e desmesura, subverte os parâmetros humanos de reciprocidade, correspondência e retorno do amor. O dom superabundante ínsito no acontecimento da cruz é o perdão de Deus, o amor que Deus já predispõe para aquele que peca e que pecará.
Tanto amou Deus. O Deus que ama é também o Deus que sofre. Dar o Filho é pôr em risco a sua paternidade, a fim de não renunciar a procurar comunhão com os homens. O Deus trinitário é o Deus que não pode passar sem o homem. E o homem, orientando-se pela fé em Cristo e deixando-se guiar pelo Espírito habita o ágape, o amor, e, assim, conhece a comunhão com Deus. Com o Deus que é amor. O ágape, de facto, é o coração da vida trinitária.
© – Luciano Manicardi