Manuela Silva
Julho – Agosto 2017
O primeiro passo para uma ecoespiritualidade é refundar a nossa representação do Cosmos, restituindo-lhe a sua dimensão de mistério.
(Michel Maxime Egger)
Felizmente vai-se afirmando, nas esferas nacionais e supranacionais, a consciência da necessidade e da urgência de aprofundar e pôr em prática princípios e normas que promovam uma relação sustentável da Humanidade com o Planeta, “a nossa casa comum”, na expressão carregada de emoção e afecto de que fala o Papa Francisco. Ainda que travado por interesses menos respeitáveis, vai progredindo o reconhecimento de que a Terra é sujeito de direitos e de que a sustentabilidade da Vida é um valor primordial a preservar.
Importa, porém, ir mais além.
Esta temática, ainda que devendo estar presente em diferentes regiões do Globo e espaços sócioculturais distintos, tem redobrada actualidade no mundo ocidental de que fazemos parte.
Em primeiro lugar, devido ao nível de progresso económico alcançado e ao estilo de vida predominante nas nossas sociedades, o qual não favorece, antes esfuma, o contacto próximo e a comunhão com a natureza. Acresce que tal estilo de vida incentiva o consumismo desenfreado e a avidez do mais ter com o correspondente efeito predador sobre os recursos naturais; convive bem com o esbanjamento, o descartável e o desperdício; alimenta o desejo ao ter mais, mesmo que, para tanto, se tenha de renunciar a mais ser; esquece a dimensão relacional de cada ser humano, os limites da liberdade individual, o dever da responsabilidade e do cuidado pelo todo; ignora e menospreza a ética na condução dos negócios privados e na esfera pública.
Por outro lado, o sistema económico cada vez mais globalizado – assente na maximização do lucro, na competitividade agressiva e na aceleração permanente do crescimento económico – não só não garante a satisfação de necessidades básicas de largos estratos de população como gera desigualdades gritantes que, por sua vez, põem em risco a democracia e a coesão social e tem-se revelado ecologicamente insustentável.
A este propósito são oportunas as palavras de Michel Maxime Egger, no seu livro La terre comme soi-même:
Contrariamente àquilo que muitos nos querem fazer crer, nós não sairemos desta crise unicamente através de reformas político-económicas, cartas éticas, avanços tecnológicos e ecogestos no quotidiano. Por mais necessário que tudo isso seja, a ecologia exterior não basta, tem de ser completada por uma ecologia interior: uma ecoespiritualidade. Isto implica uma mudança de paradigma, a passagem de uma relação exterior a uma relação de comunhão com o Cosmos. A chave dessa passagem consiste numa metanoia pessoal que religue a transformação de si e a transformação do mundo, para, ao mesmo tempo, libertar o nosso ser e reencantar a natureza, descobrindo a sua dimensão sagrada.
O mesmo Autor, em outra passagem, reforça esta ideia:
(…) tendo um importante carácter colectivo e estrutural, a crise ecológica é igualmente pessoal. Tem a ver com as visões, estratégias e práticas dos grandes actores políticos e económicos, mas, também, com a nossa vida interior: o que fazemos do nosso ego, das nossas paixões e dos nossos desejos, o nível de profundidade ou de superficialidade em que vivemos e respiramos, a maneira, de consumo ou de comunhão, com que nos religamos à Natureza, aos outros e ao Totalmente Outro, qualquer que seja o nome que lhe damos segundo a nossa fé e a nossa cultura.
Publico este escrito em vésperas de um tempo que, para muitas pessoas do hemisfério norte, permite alternância em relação ao seu trabalho profissional, aos seus espaços de residência habitual e às suas rotinas quotidianas, por conseguinte com liberdade acrescida para dispor de tempo para pensar, conviver, criar, contemplar. É assim, no nosso País.
Deixo, por isso, o desafio de que levem, na vossa bagagem de férias, o propósito de uma revisão em profundidade da vossa relação com a Terra, a nossa casa comum, sem esquecer que isso implica uma generosa abertura ao mistério, ao silêncio, à contemplação e também disponibilidade de coração para consentir nas mudanças que se impõem no que respeita à visão que temos da Criação e ao modo como nos comportamos no Planeta em que habitamos.
Nos próximos meses de verão, no espaço de Betânia, procuraremos animar uma reflexão em redor do tema “Amar a Terra como a si mesmo”. Queremos, assim, contribuir para tornar desejada, possível e operativa uma ecoespiritualidade que esteja à altura dos desafios deste primeiro quartel do século XXI.