Saudamos o desafio do Papa Francisco que nos oferece a oportunidade de caminhar juntos em sinodalidade, rompendo barreiras e ousando um renovado itinerário para testemunhar uma fé viva, aberta, que difunda a alegria do Evangelho.
O que é que a Igreja nos deu e nos dá de bom e de positivo, de tal modo que, apesar de tanto pecado, nos seduz, nos mantém fiéis a ela, assumindo o passado e sonhando o futuro?
Constatamos uma grande diversidade de experiências vividas nas respetivas famílias e comunidades de origem, desde os que nasceram em famílias de batizados, com ligações ou não à Igreja, aos que têm origem em famílias agnósticas. Algumas pessoas expressaram ainda a sua perceção de que existem duas igrejas: a ritualista e a da fé e que há mais cristãos de coração do que pessoas que se assumem como tal.
Os percursos de vida são diversificados, mas o desejo de crescer na fé e/ou estabelecer laços mais fortes com a Igreja foi frequentemente motivado quer por testemunhos marcantes de outros cristãos (padres ou leigos); quer pela vivência de situações pessoais dolorosas; quer através do compromisso com movimentos e organizações que contribuíram para o despertar, ou o aprofundamento da fé. A todos move o desejo de conhecer e viver experiências que deem sentido à vida e permitam que a fé se traduza também em ações, designadamente no que se refere ao cuidado e à solidariedade.
Relativamente às experiências “menos felizes” com a Igreja ou com os cristãos, defendemos que é necessário sarar as feridas e não ficar apegado a elas. Contudo, tais feridas têm origem em questões eclesiais sistémicas e requerem alterações muito profundas nas estruturas, mentalidades, hábitos e métodos de decisão até hoje correntes na Igreja, sob pena de continuarem a produzir-se, a maltratar e a excluir pessoas.
O que nos parece prioritário alterar, na Igreja, para que possa falar às mulheres e aos homens do século XXI?
Neste aspeto, ressalta o nosso apelo à mudança: das estruturas da igreja que se deseja acentuem a sua missão de serviço, acolhimento e escuta, sobretudo daqueles a quem a igreja tem impedido o acesso à mesa do Senhor, nomeadamente os casais recasados e as pessoas LGBT; da comunicação através de uma linguagem não clerical e adequada aos nossos dias; das atitudes do clero e da hierarquia no sentido de uma maior simplicidade e coerência para que a transmissão da mensagem de Cristo não esteja divorciada do mundo, garantindo a intervenção democrática de todos os batizados na tomada de decisões no interior da Igreja e fomentando a plena participação dos leigos na preparação e no desenrolar das celebrações.
Importa ter presente que os ritos devem ter uma qualidade de comunicação clara e adequada à vida atual. Contudo, alguns gestos, vestes, rituais, etc., de difícil descodificação dificultam o diálogo entre crentes e não crentes que deve ser marcado pela simplicidade e coerência.
Assume particular preocupação a interação com os jovens: ao nível da sua participação nos organismos em que se integram; quanto à promoção de temas que os mobilizem durante o seu período de formação, nomeadamente na catequese; bem como no que respeita ao cuidado com a linguagem adequada ao tempo atual.
Reconhecendo o trabalho que já vem sendo realizado ao serviço dos mais vulneráveis, (pobres, sem abrigo, idosos, doentes, deficientes, migrantes, órfãos, etc.) consideramos que é necessário um maior envolvimento da Igreja na liderança pelo exemplo, no cuidado e na presença fraterna junto das periferias. Porém, não se trata apenas de cuidar de modo assistencialista dos “descartáveis” que vivem nas periferias. O desafio a que as nossas comunidades são chamadas a responder vai mais longe: trata-se de se converterem a um novo modo de vida que tenha os mais pobres como centro. É, por isso, urgente conferir-lhes visibilidade e protagonismo no interior da comunidade.
Do mesmo modo, a resposta à Laudato si’ não é apenas pessoal, deve favorecer a reflexão sinodal sobre quais as opções que cada comunidade decide assumir para que a vida coletiva favoreça a sustentabilidade da Casa Comum.
Todas estas mudanças implicam também a alteração dos processos de formação inicial e permanente do clero, bem como uma renovada atenção à formação dos religiosos, religiosas e leigos no sentido de favorecer, a todos os níveis e em todas as estruturas, o florescimento de uma Igreja sinodal de proximidade e de escuta.
Quais são as ações concretas, exequíveis e transformadoras, que podemos assumir como sinais da mensagem de Jesus para o nosso tempo?
Temos consciência de que as mudanças que propomos, bem como a atual realidade eclesial, impõem alterações inadiáveis em vários documentos da Igreja, nomeadamente ao Código Direito Canónico.
Quer individualmente, quer institucionalmente devemos assumir atitudes que, pela simplicidade autenticidade e clareza sejam sinais transformadores na vida na Igreja, já que algumas das atividades que a Igreja desenvolve podem ser feitas de maneira diferente, mais harmonizadas com as realidades e exigências do mundo atual.
As iniciativas que privilegiam os mais frágeis (pobres, sem abrigo, idosos, doentes, deficientes, migrantes, órfãos, etc.) devem continuar a merecer o empenho dos cristãos, em todas as instâncias, apesar das dificuldades de criar/integrar equipas e conciliar a vida familiar, a profissional e o voluntariado.
Pensamos que a configuração territorial das paróquias deve ser revista e adequada às novas realidades demográficas e os centros paroquiais devem tornar-se espaços de solidariedade em modo de voluntariado.
Importa que nas estruturas de participação laical, cuja criação ou reforço foi incentivado pelo Vaticano II, os leigos sejam chamados a decidir democraticamente sobre as prioridades das suas comunidades paroquiais, diocesanas e outras. Igualmente relevante na vivência da sinodalidade, é a continuada escuta do Espírito para percebermos que novas estruturas e lugares de participação de todos os batizados deve a Igreja criar para que a sua vida interna permita transmitir a imagem de “vede como eles se amam”, marca do seu modo de ser centrado no exemplo de Jesus Cristo.
Tendo em vista contribuir para uma mútua compreensão, respeito e colaboração, deve encorajar-se o estudo das religiões e a formação de pessoas dedicadas ao diálogo inter-religioso.
A ação ministerial deve ser um objetivo mobilizador para todos os crentes, como um serviço à comunidade.
As associações de fiéis, de caráter profissional, devem ser incentivadas a tomar posição em questões de natureza política, social, ética, de objeção de consciência, etc.
A diversidade de iniciativas e a complexidade dos variados modos de estar na Igreja devem ser valorizadas, não excluindo, antes integrando e aceitando a diferença inserindo-se harmoniosamente ao nível cultural. Assim, devemos levantar todas as barreiras ao celibato facultativo dos ordenados, à ordenação das mulheres, à participação eclesial dos casais recasados e das pessoas LGBT e outras que localmente se estabeleçam.
O objetivo desta caminhada não se esgota nem nesta etapa nem em outubro de 2023. Vamos continuar o caminho da sinodalidade para que a comunhão seja testemunhada, a participação cresça e a missão possa ser fortalecida.
Documento síntese do Caminho Sinodal.
Amigos/as da Fundação Betânia. 2022