É outono, o céu está carregado e até os pensamentos parecem cinzentos invadidos pelas memórias de quem nos faz falta…
Vivemos tempos de tristeza e de medo. A pandemia continua a alastras e, sobretudo no período de confinamento, mostrou que todos nos sentimos frágeis impotentes e mais sozinhos. A situação em que se encontram muitos dos nossos idosos é um sinal da decadência do cuidado que contradiz as palavras de circunstância e os discursos vazios.
A degradação ambiental, o prenúncio de outra crise económica… O futuro parece incerto, o nosso e o das gerações mais jovens.
As igrejas poderiam ser oásis de esperança, mas também revelam sinais preocupantes de erosão da participação: nas celebrações, nas iniciativas e no cuidado das comunidades. Nas práticas pastorais gasta-se mais energia para garantir a manutenção do que resta, do que para criar algo novo.
O Papa Francisco trouxe uma lufada de ar fresco e energia, mas a sua reforma encontra oposição dentro da Igreja, que assim aparece dividida por tensões até mesmo marcada por situações escandalosas e destrutivas.
Uma Igreja que se descobre como minoria corre o risco de se fechar em si mesma e de tornar-se autorreferencial – como o Papa Francisco denuncia – preocupada com a própria integridade, atormentada por problemas de funcionamento, focada em questões que nem sempre são da vida real. Talvez por isso Francisco nos comova pelo cansaço que às vezes transparece no seu rosto e pela sensação de solidão que o cerca.
Nada disto é “novo” nem é “normal”. A defesa extenuante do status quo também não pertence à lógica de Deus. Então, como se luta contra o clima depressivo e a apatia, como se resiste à percepção de que “nos falta o ar”?
Se sucumbirmos ao clima depressivo não poderemos notar o os sinais que alimentam a esperança. Também não basta apenas denunciar e fazer apelo à resiliência. Não faz sentido insistir na ideia de “um novo normal”. O que quer que venha a ser esse “novo” tem de ser Vida vivida com risco. Temos necessidade de nos pôr em movimento, de viver na realidade, mobilizando as nossas capacidades e exercitando a sabedoria e o cuidado.
Há dias em que é difícil recomeçar, voltar a partir. Contrariar a inércia. É preciso treinar a perseverança, sem ceder à desordem interna e externa; manter um ritmo de vida que, mesmo partilhando acontecimentos tristes, não se reduza à tristeza, para cumprir com fidelidade o dever. Lembro as palavras de Bonhoeffer na prisão, em Resistance and Surrender: «A primeira consequência que tais momentos de tristeza produzem é que gostaríamos de negligenciar a rotina diária e assim uma certa desordem ameaça penetrar na nossa vida. (…)».
O cuidado com a vida espiritual, a oração, os momentos de parar e escutar a Palavra, por vezes dão luta. A Palavra de Deus não se decifra facilmente. Temos de esperar que o Senhor volte a falar ao coração, que a sua Palavra traga mais luz, para podermos dar o próximo passo. Só o que amadurece, mesmo que lenta e dolorosamente no nosso íntimo, se torna estímulo e nos dá força necessária e para romper estes tempos cinzentos. É necessário amadurecer em silêncio, pensamentos, sentimentos e forças, que depois podem ser úteis para construir algo que resista ao passar do tempo.
Não podemos esquecer como são preciosas as palavras e os gestos de quem deixou marcas e nos legou um testemunho digno que permanece como exemplo de vida em coerência e consistência. Refiro-me especialmente, mas não exclusivamente, à Manuela Silva nossa Amiga e fundadora do espaço “Mambré-Betânia” que, com ela, se tornou um oásis de simplicidade e cuidado, um jardim de desafios onde ela colocou carinhosamente cada pedra e cada flor.
Além de escutar a Palavra, e lembrar os testemunhos de vida de outras pessoas que nos desafiam, devemos “ter cheiro de ovelha” – como diz o Papa Francisco. Escutar a vida real sustenta a nossa esperança e a nossa acção; permite-nos companhar as pessoas que a vida coloca ao nosso lado no quotidiano. Ali, na vida comum, Deus continua a manifestar-se. Viver com as pessoas, mesmo sem poder contar com respostas prontas, antes ouvir e reconhecer onde a vida “pulsa”.
Estar nos lugares onde o humano enfrenta a vida e a morte em nome da Esperança. Uma vida que nasce, a luta contra uma doença, os afetos familiares com os seus dramas, o trabalho realizado com profissionalismo, a amizade, o gesto de quem oferece a ajuda gratuita… Perceber que a Esperança se esconde nas pregas da vida e, apesar do egoísmo. Sob as cinzas, as brasas do que é humano ainda estão quentes.
Peçamos a humildade de aprender a viver com as pessoas que que cruzam os nossos caminhos, próximas e distantes, crentes ou não, mas que mostram a coragem de viver.
Finalmente, é preciso deixar que a Vida floresça multifacetada e ofereça novidades. Nem tudo está decidido, nem tudo acabou, nem tudo é dado como certo. Existem coisas imprevistas, momentos inesperados e vislumbres de luz que iluminam de repente, mesmo que apenas por um momento.
Há momentos em que não nos é dado fazer nem dizer nada, temos de aceitar que não podemos – por nós mesmos – mudar algo, encontrar soluções para situações difíceis. Podemos começar por aceitar que somos frágeis e impotentes, mas sem ceder. É uma questão de resistir abrindo espaço para o imprevisível, onde Deus mora connosco. Se ficarmos a olhar para trás, perderemos a hora da passagem de Deus que deseja fazer novas todas as coisas.