Aprendi que nunca se é demasiado pequeno para fazer a diferença.
(Greta Thunberg)
Faltou à escola para poder estar naquela magna reunião e veio de comboio – e não de avião – por coerência com a sua causa. Admitiu o desconforto de ter de enfrentar um público de líderes mundiais que, por ventura, dizem defender uma economia verde, mas não ousam enfrentar o mito do crescimento ilimitado e resistem à implementação das mudanças indispensáveis e urgentes para alcançar a sustentabilidade, porque temem que tais decisões serão consideradas impopulares.
“Vocês só falam em avançar com as vossas más ideias que nos conduziram a esta calamidade, mesmo quando a única coisa acertada seria meter o travão de emergência a fundo”.
Com toda a lucidez, relaciona a crise climática com a crise social mundial e denuncia que estão sendo postos em causa os alicerces civilizacionais. “A nossa civilização está a ser sacrificada em favor da oportunidade de um muito pequeno número de pessoas continuarem a acumular fortunas. A nossa biosfera está a ser sacrificada para que as pessoas ricas nos países ricos, como o meu, possam viver com luxo. É o sofrimento de muitos que paga o luxo de uns poucos. (…). Greta tem toda a razão: Para resolver a crise há que reconhecer a sua extensão e as raízes que a geram. Conclui, sem rodeios, (..) se for impossível encontrar soluções dentro do sistema há que mudar o próprio sistema.
A presença de Greta Thunberg na COP 24 não foi um acto isolado de uma adolescente de 16 anos, mas o sinal do despertar de uma geração que, em regra, é ignorada e esquecida na tomada de decisões e opções com incidência não só no presente como no futuro. O apelo de Greta está a mobilizar crianças e jovens de vários países: manifestam-se semanalmente nas praças de várias cidades a reclamar atenção e responsabilidade colectiva face aos desafios das alterações climáticas e da justiça. Exigem que a sua voz seja escutada e convergem para uma manifestação de âmbito mundial, prevista para o próximo dia 15 de Março. É difícil prever até onde vai conduzir este movimento juvenil que não conhece fronteiras geográficas e que dura há várias semanas. É a voz dos pequenos, dos que não têm poder, mas assiste-lhes a razão, a coragem e a determinação de fazerem a diferença.
A tradição judaico-cristã está cheia de exemplos de jovens que o Senhor escolheu como profetas no meio do seu povo. Lembro os três jovens que se revoltam contra a ordem do tirano e não hesitam em proclamar a sua fé no Deus único e Criador no meio da fornalha ardente (Dan 3). Ou, então, o caso insólito do menino que denuncia os velhos que, falsamente, pretendem condenar a inocente Suzana (Dan 13).
Ao falar da crise ecológica e da necessidade de mobilizar as consciências para a gravidade dos desafios que temos de enfrentar, o papa Francisco fala na necessidade de uma radical conversão ecológica com o que tal implica de mudança de olhar sobre nós próprios, da superação do individualismo e da autoreferencialidade, que caracterizam a cultura ocidental contemporânea, de superação da insensibilidade face aos males que, directa e indirectamente, infligimos ao Planeta e aos seres que nele habitam. Há, igualmente, que rever o nosso lugar no mundo, a nossa relação com os outros humanos, nomeadamente os mais vulneráveis e os demais seres vivos. Tudo na perspectiva, não só do presente, mas também com a visão do futuro e o sentido de justiça social e intergeracional.
A voz dos pequenos chega até nós num tempo litúrgico especial, a quaresma de 2019, tempo de graça especial de conversão pessoal e comunitária. Saibamos ousar a desinstalação do nosso conformismo e passividade e empreender o discernimento das nossas opções, atitudes e comportamentos nas rotinas dos nossos quotidianos, à luz da nossa fé no Deus criador que não nos abandona na tarefa indeclinável de cuidar da casa comum e da construção de uma ecologia integral. Assim, caminharemos na alegria em direcção à celebração da Páscoa.