Manuela Silva criou a Fundação Betânia em 29 de Outubro de 1990 e foi com grande entusiamo que promoveu a criação deste site fundacao-betania.org desde Outubro de 2002.
O Escrito do mês, da autoria de Manuela Silva foi aqui publicado, mensalmente, desde Maio de 2003 até à sua morte em 7 de Outubro de 2019. Esses textos constituem já 3 livros que publicou em 2008, 2014 e 2018.
O seu percurso de vida continuará a inspirar-nos!
Assim, o Escrito de Betânia será, a partir de Novembro de 2019, uma nova secção deste site que começa com uma simples homenagem construída pelos actuais membros dos corpos sociais da Fundação Betânia. (Pode ler cada intervenção nesta página escolhendo o nome). Deixamos ainda um conjunto de testemunhos e homenagens promovidas por outros amigos/as e colaboradores.
O presente Escrito de Betânia intitula-se “Na palma da mão de Deus” já que era uma afirmação que a Manuela gostava de usar quando “as coisas lhe corriam bem”.
Cada pessoa construiu a sua homenagem à Manuela Silva e, neste puzzle, deixamos ecoar a voz da amizade, fazemos memória de inúmeras conversas, de muitas iniciativas que com ela construímos e dizemos assim…
Na palma da mão de Deus
Homenagem a Manuela Silva
O seu percurso continuará a inspirar-nos!
Assim, o Escrito de Betânia, de Novembro de 2019, é uma simples homenagem construída pelos actuais membros dos corpos sociais da Fundação Betânia.
Partilhamos também um conjunto de testemunhos e homenagens promovidas por outros amigos/as e colaboradores.
Deixamos ecoar a voz da amizade, fazemos memória de inúmeras conversas, de muitas iniciativas que com ela construímos.
No último encontro que tivemos, já abalada fisicamente, esta Senhora doze anos mais idosa do que eu insistiu em acompanhar-me à porta do elevador, sobrepondo a gentileza à penosidade desse gesto de bondade excessiva. – Nesta breve recordação, para mim indelével, resume-se uma Pessoa inteira. A mesma que por outro lado é indiciada, ainda que também parcialmente, no título de sua obra editada mais recente (2018): Resiliência Criatividade Beleza.
Não foi apenas o empenhamento social, político e académico, mas também o compromisso eclesial que desde jovem, permanentemente, animou a sua vida. Basta evocar, muito por alto, as áreas do seu percurso, bastas vezes protagonizado a nível internacional e nacional, assim como em momentos críticos e/ou decisivos da nossa história pátria: Acção Católica (JUC), Cultura (Pax Romana), Trabalho (OIT), Economia (Planeamento político-económico, Pobreza), Ética (Justiça e Paz), Ecologia (Cuidar da Casa Comum). Neste último caso, por exemplo, deixa-nos um legado inestimável que está em frutuoso curso numa rede que concebeu e animou a partir da sua Fundação Betânia, congregando pessoas e instituições de variada e rica qualidade.
A rede Cuidar da Casa Comum é o seu último e inestimável legado, que está em frutuoso curso e por ela foi concebido e animado a partir da sua Fundação Betânia, congregando pessoas e instituições de variada e rica qualidade.
Manuela Silva exerceu exacta e exemplarmente o que é próprio e específico dos Leigos, no dizer do Concílio Vaticano II: “iluminar e ordenar as realidades temporais em que se inserem, de tal modo que elas sejam sempre feitas segundo Cristo, progridam e glorifiquem o Criador e Redentor” (LG 31).
Há pessoas que encontramos na vida, observamos com interesse e até chegamos a conhecer pessoalmente, mas nem todas nos marcam em profundidade. Esta, para mim e quantos mais cedo a conheceram, foi grito de Profeta bíblico tocando as cordas do ser pela palavra e pelo exemplo, a fazer urgente a conversão.
Há tempos reagi a um escrito que a Manuela fez sobre a vida da Fundação Betânia. Testemunhei-lhe o muito que recebi dos encontros e da vida que ali aconteceu e continuo a agradecer… Estou certa que a Manuela lá dos Céus continua a acompanharmos na concretização dos objetivos que ela propôs para a Fundação Betânia a tornar-se um espaço de encontros e vivências significativas:
- Suscitar a procura de novos alicerces culturais e espirituais… abrir caminhos e modos de vida e relações sociais orientadas segundo o Primado do Amor…
- Criar espaços de beleza, de interioridade e de comunhão, que incentivam o encontro mais fundo com cada pessoa, consigo próprio, com os outros, com a Natureza e com o Absoluto.
- Catalisar formas de vivenciar e testemunhar estilos de vida fraterna, inspirados pela primazia do Ser, a simplicidade, a gratuidade, a disponibilidade e uma atitude contemplativa activa na fidelidade ao Amor.
Todos sabíamos e todos esperávamos com angústia. Testemunhávamos a sua mente sempre vigorosa num corpo a esmorecer.
E a hora chegou. Partiu para a Casa do Pai, a sua verdadeira morada. Toda a vida se preparou para a grande Viagem, todo o seu peregrinar foi no sentido dessa morada.
Está “na palma da mão de Deus”.
Deveríamos, por isso, estar contentes. Talvez. Mas sabemos que a pergunta tantas vezes formulada nas nossas cabeças – “O que pensará a Manuela disto?”- não terá mais resposta em linguagem humana. E isso dói-nos.
A sua palavra profética, perante as perplexidades do nosso tempo, sempre nos trouxe a esperança que lhe brotava de uma fé radical.
É esta a senda que nos compete percorrer.
Um convívio que nos fazia crescer
Podia recordar inúmeros episódios vividos com a Manuela Silva, mas em grande parte eles foram momentos partilhados que não caberiam em palavras concisas, pois perdiam a vibração sentida, comunicada então. Mas há duas características quase opostas da Manuela, que me foi dado gozar e que em certa medida me capacitaram mais.
A Manuela era inultrapassável a dirigir uma reunião de trabalho. Começava logo pela agenda, que preparava antecipadamente, enviava a todos os que iam participar na reunião, para que a alterássemos ou acrescentássemos alguma coisa. Depois, cingia-se aos pontos acordados e só permitia que a conversa se “desviasse” se houvesse folga de tempo. «Sim, senhora, mas agora não podemos falar disso. Estávamos a…» e voltava a recentrar-nos nos pontos da agenda. De brincadeira, ainda digo, ao moderar as reuniões, que «vou ser como a Manuela, não podemos dispersar-nos que há ainda outras questões a tratar».
Mas, em contraste com essa característica tão disciplinada, a Manuela era uma ouvinte surpreendente. Ficava a escutar, com interesse, proferindo aqui e ali uma palavra ou frase que mostrava que estava a seguir, e com empatia. Às vezes, passado algum tempo fazia referência ao que tinha ouvido, dando a sensação de que, delicadamente, acrescentara mais uma pincelada ao retrato que tinha da pessoa. Outras vezes, reagia logo, dando protagonismo à outra pessoa. Parece que ainda a oiço: «Ah, sim? Andavas de motorizada?! Ah, não páras de me surpreender!» – no princípio dos anos 70, não havia muitas meninas a circular de capacete, em Lisboa.
O seu companheirismo, apesar dos vinte anos que nos separavam, foi uma dádiva que calou fundo em mim e que espero conseguir fazer frutificar de algum modo. Bem haja, Manuela!
Por ocasião da morte da Manuela, ocorre-me a frase de Santo Agostinho, “Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho…”.
E nós, que continuamos deste lado do caminho, não nos esquecemos o quanto aprendemos com ela e como ela foi, tantas vezes, uma inspiração para viver de forma mais esclarecida e completa a adesão a um cristianismo que escuta e está disponível para as preocupações do mundo.
A Manuela soube ser fiel à presença do Espírito de Cristo, em todos os tempos e lugares. Foi por isso que se empenhou tão activamente na luta por uma ordem social mais justa. Foi também particularmente atenta face aos “sinais dos tempos”. Nos últimos anos, foi das primeiras, entre nós, a acolher a “Laudato Si” e as vias por ela abertas no sentido de uma melhor compreensão das necessidades deste mundo e, por consequência, de uma actuação mais conforme com essas necessidades, capaz de inovar relativamente ao que já tinha sido feito no passado.
Julgo que ela gostaria particularmente do que Isaías disse (4,18-19), “Não penseis mais no passado, pois vou realizar algo de novo, não o notais?”
Manuela
Estava sempre atenta: lendo, ouvindo, observando.
Conservadora, mas de uma abertura aos outros que raramente se encontra. Aberta porque tinha um coração grande.
Sentia a dor do outro, a alegria, a frustração, o desejo.
O maior desejo da Manuela era que o mundo fosse como Jesus ensinou. Mas não é!
Podia ter sido céptica, amargurada pelo sofrimento que a realidade apresenta.
Mas não foi, porque vivia de acordo com a sua fé e esse foi o caminho que escolheu. Viveu a vida toda ao serviço a Deus e por isso também ao serviço dos outros.
Escapou às distrações que nos afligem?
Criou a Fundação Betânia há quase trinta anos, um local de reflexão, de aprendizagens, e de amizade, que fortaleceu o caminho espiritual e humano de muitas pessoas.
Promoveu inciativas em resposta aos desafios do mundo.
Nunca se mostrou desanimada.
Foi sempre coerente e generosa para com todos os que cruzaram a sua vida.
…
O meu encontro com a Manuela foi no princípio deste século. Num retiro no Rodízio. Descobri-a através de um livro que tinha escrito sobre economia justa e fraterna. Vi lá ideias que partilhei, e sobre as quais também estava a trabalhar. Procurei conhecê-la e uma amiga comum apresentou-nos.
Desde então tivemos sempre conversas à volta do nosso desejo de reformar a economia para que seja mais humana. Como consegui-lo?
Mas o contrário aconteceu. Os excessos económicos acentuaram-se. A crise financeira aconteceu e as desigualdades aumentaram. Ao mesmo tempo os desafios ecológicos e políticos aprofundaram-se.
A Manuela percebia que tudo está interligado. Por isso pegou na encíclica do Papa, Laudato Sí, e divulgou-a. Foi a última e talvez a mais importante causa que assumiu: a criação da rede Cuidar da Casa Comum. Queria que toda a gente recebesse a mensagem do Papa para chegar à transformação interior, para construir um mundo melhor, e para chegar, então, à Economia de Francisco. Tudo está interligado.
Sem transformação, não há resposta.
Queria viver para poder continuar o seu trabalho, mas Deus chamou-a. Já tinha feito o seu papel – semear a terra.
Agora será necessário o trabalho de outras pessoas para a cultivar.
Chegávamos à Azóia, eu abria o portão de Mambré e a Manuela levava o carro até meio da rampa, saía, abria os braços, respirava fundo e dizia-me: Respira fundo! Vá lá respira este ar leve…
Depois levávamos as coisas para casa, pousávamos tudo rapidamente, sem arrumar. Saíamos para dar uma volta pelos jardins, ver o pomar e ir até Betânia…
Era um gosto ouvir-lhe os comentários. Encantada como uma criança perante as descobertas: Olha, já temos fisális! Tantas rosas! Os abacateiros pegaram… Amanhã vou podar a glicínia e tratar das silvas que já chegam ao poste… Ah! Temos de pedir ao sr. Marcos que corte os ramos dos pinheiros que dão para a estrada… Que lindas as macieiras! Vamos ter muitos alperces (ela dizia “alperches”). Vamos ver de que tamanha já está o nosso carvalho. Olha, tem de se cortar este ramo da mimosa que está perigoso. Cuidado com essa pedra que está solta!
Passávamos sempre pelo sino de Betânia, que a Maria Amélia Cunha ofereceu e a Maria José gosta de tocar quando chega. A ver se ainda aí está… Ah! Ainda permanece.
Numa destas voltas disse-me: Este cantinho do jardim é tão bonito, mas podia ter mais uso. Falta aqui qualquer coisa… E eu – Talvez uma escultura de jardim… E se fosse um peixe? Afinal é um símbolo dos cristãos… Assim começou, para mim, a aventura de criar “o peixe”. Depois o sr. Catarino malhou o aço e os três colocámos a escultura no lugar que batizámos como o Jardim do Peixe.
Mais tarde durante a sua convalescença, em 2014, quando preparava o livro “no jardim do peixe”, a Manuela desafiou-me outra vez: Olha, como já temos o título, faz-me a capa. Gostava que fosse baseada naquele peixe que…
Íamos até à casinha de Betânia como ela lhe chamava. Entrávamos e rezávamos…
Este ano temos de fazer manutenção… Amanhã podias dar um jeito a este espaço, tem muitas aranhas e entraram aqui folhas… Achas que o gravador ainda toca? Lembras-te quando a Nicoletta ficava aqui conosco? Olha daqui o mar! Não é uma maravilha?
Voltávamos a Mambré, arrumávamos as nossas tralhas, jantávamos e ficávamos a conversar. Às vezes, em noites claras de Verão, contemplávamos o céu, adivinhávamos constelações e maravilhávamo-nos perante a grandiosidade da Criação, dizia-me com vivacidade: Que mistério! E fazemos parte disto tudo! Que maravilha. Deus é mesmo um grande Artista!
Muitas vezes saíamos para dar um passeio a pé. Íamos à lagoa, ao rio Toro, ao Cabo da Roca, à Ulgueira, ao Peroduço… Era frequente ela parar no caminho a apreciar as florinhas selvagens, azuis, amarelas brancas… Há muitas na região. Olha! Encanta-me sempre ver estas florinhas tão frágeis, como conseguem crescer entre as pedras. E são tão lindas! Já viste que maravilha!
Quando regressávamos a Lisboa era frequente ouvir-lhe: Gosto muito da minha casa na Columbano!
Sempre que me deslocava a Lisboa a Manuela ia buscar-me à camioneta, com chuva, de noite, muitas vezes tarde, muito tarde. Ainda este ano, já estava muito doente, mas insistia em ir buscar-me. E levar-me.
A minha Amiga era assim! Amiga, simples, frágil, alegre, teimosa, atenta, carinhosa, austera, generosa, muito sensível e capaz de se encantar como uma criança.
Gosto muito de ti Manuela.
Testemunhos
Aqui ficam iniciativas e vários testemunhos de amigos e colaboradores de Manuela Silva.
Capela do Rato
Eucaristia de agradecimento pela vida de Manuela Silva
– Capela do Rato. Lisboa. 2019
Fernando Gomes da Silva
Manuel Brandão Alves
Fortunata Dourado
Eduardo Madureira
Nuno Caiado
Acácio Catarino
Guilherme Oliveira Martins
Joana Rigato
João Alves Dias
C R C
Viriato S. Marques
Fernando Gomes da Silva
Oração dos fiéis na missa de corpo presente de Manuela Silva
Igreja da Ressurreição. Cascais em 9-10-2019
em actualização
Manuela Silva
Em actualização…
Evocações
Missa do trigésimo dia do falecimento de Manuela Silva
Dia 6 de Novembro 2019 às 10:00 horas, na Igreja Paroquial de Cascais.
Dia 7 de Novembro 2019 às 19:15 horas, na Igreja Paroquial de Cascais.
Dia 8 de Novembro 2019 – às 19:15 horas, no Convento dos Dominicanos – Lisboa.
Dia 9 de Novembro 2019, às 19:00 horas, na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa.