Muitas pessoas começam a pensar no “depois” da pandemia de covid-19. É ainda cedo, mas também é a maneira de não se resignar à situação actual, de olhar para o futuro, sem pressas. É “ficar em casa”, mas não como prisioneiros. Esse exercício de imaginação não pode ser uma fuga à realidade, pede que comecemos a pensar no que está a acontecer-nos e ao mundo que conhecemos antes da pandemia.
Depois disto, o que vai acontecer? Voltaremos a fazer as coisas de sempre, as liturgias de sempre? Não se consegue prefigurar cenários nem para o mundo, nem para a Igreja. Esperemos que a inércia não se instale…
Já tínhamos a percepção de que as sociedades humanas precisavam de mudar as suas escolhas no que toca ao modelo de desenvolvimento e à exigência de iniciativas políticas sintonizadas com os direitos humanos; que as práticas pastorais precisavam de ser repensadas à luz de uma Igreja “extrovertida”, como o Papa Francisco gosta de dizer.
O que aconteceu durante este “tempo suspenso”?
Tivemos de repensar tudo e de renovar a maneira de exercer a profissão, de acompanhar a família, os amigos e outros membros das nossas comunidades numa permanente interação entre pensar e agir com criatividade, coragem e paciência.
Ao mesmo tempo, surgiu uma urgência: o que fazer pelos mais frágeis? As pessoas que pagam primeiro o preço das crises são os pobres, os idosos, as crianças, os doentes… Assim, se reativaram ou inventaram novas formas de voluntariado para apoiar, transportar, fazer compras para quem não podia sair de casa, etc. O uso das redes sociais para comunicar, expressar afectos, rezar, fazer a festa e coordenar muitas actividades on-line.
Descobrimos novas maneiras de estar perto de pessoas em dificuldade, novos recursos e até a disponibilidade inesperada de muitas pessoas de boa vontade. A paróquia muitas vezes foi o refúgio e centro de cuidado mais próximo. Uma herança a não perder.
Para os crentes aconteceu também outra evidência: a falta da Eucaristia, especialmente nas celebrações de domingo. Como resistir sem a Eucaristia? Percebemos o seu sentido radical: que o gesto de nos reunirmos em nome do Senhor é constitutivo e a fé é vivida e celebrada em comunidade. Percebemos melhor a evidência de que a Eucaristia não é uma devoção individual, mas um acto comunitário. Muitos padres apostaram na transmissão da missa por streaming. Continuaram a celebrar “apesar da ausência do povo”. Aprendemos a viver na expectativa desse futuro encontro, porque sem a assembleia presente com rostos e nomes, a celebração é incompleta.
Criámos redes de partilha e de oração online. Acompanhámos a experiência de cada pessoa, as suas histórias e vicissitudes partilhadas permitiu-nos ouvir a Palavra de uma nova maneira. Sentimos compaixão no momento de provação particularmente intenso de todos aqueles que choraram a morte de entes queridos “à distância”.
Rezámos com o Papa Francisco naquela praça vazia! A grandeza simbólica daquele momento sintetizou, numa imagem avassaladora, a solidão, o abandono, a impotência e o drama da Humanidade rendida a um inimigo invisível. É a imagem do fim de uma era, mas ressoam ainda nos nosso ouvidos as palavras: “Não tenhais medo.”
Lembraremos para sempre esta Páscoa com Jesus e nem tudo será como antes.
Mesmo em isolamento físico, aprendemos a estar próximo e a cuidar do outro. Agora, na fase que se avizinha plena de incertezas, temos ainda mais consciência de como é urgente fazer crescer a rede de fraternidade como uma responsabilidade de todos. Vamos continuar a alimentar o sentido de pertença e o vínculo fraterno que passa pela qualidade dos relacionamentos e pela partilha que, entretanto, aprendemos a construir como uma responsabilidade para com toda a comunidade.
O que estamos a aprender agora marca um caminho que nos ensinará a reinventar e a ver o que podemos mudar e o que teremos de reescrever de uma nova maneira. Podemos acolher a Esperança, deixar que seja ela a a sustentar a nossa acção, a fortalecer a nossa vontade, a iluminar o nosso quotidiano e a salvaguardar o que há de melhor em cada pessoa. Abraçar o Senhor, para abraçar a Esperança.
Amanhã começa hoje!