“Em certos dias, nem sabemos porquê
Sentimo-nos estranhamente perto
Daquelas coisas que buscamos muito
E continuam, no entanto, perdidas
Dentro da nossa casa.”
As Casas – José Tolentino Mendonça. A noite Abre Meus Olhos [poesia reunida]. Assírio & Alvim, 2001
A inspiração para este escrito vem-me do último encontro em Betânia. “Tão perto e tão longe daquilo que buscamos”, uma provocação retirada de um poema de José Tolentino Mendonça cujo sentido o poeta e teólogo nos ajudou a desvendar pela mediação de um verbo a que nem sempre damos a devida importância: Estar.
Hoje, mais do que nunca, precisamos aprender a sabedoria do estar.
Precisamos de conhecer e praticar um modo de estar não fragmentado, mas antes inteiro; um modo de estar intencional como habitação do tempo e não um mero sonambulismo de quem divaga sem saber por onde; um modo de estar que busque a harmonia com o lugar que habita, descobrindo-a e valorizando-a; um modo de estar que não descarte a responsabilidade pelo irmão e pela irmã.
Na perspectiva de fé bíblica, trata-se de “habitar na casa do Senhor”, o desejo do místico, que pressente a felicidade nesse lugar de encontro e de presença.
A cultura e a sociedade contemporâneas oferecem resistências a este modo de estar.
A multiplicidade de estímulos e ofertas de possibilidades de espaços virtuais desorientam-nos e, tantas vezes, impedem-nos de estarmos verdadeiramente onde estamos.
Por outro lado, a grande e excessiva competitividade forçam o ritmo de uma saudável itinerância que, podendo ser caminho de habitação e encontro, não raro se transforma em corrupio de deslocalizações e migração mais ou menos forçada, esvaziando o estar da qualidade de uma presença habitada.
Também a tensão e conflitualidade, que a competitividade económica e social segregam constituem obstáculo a uma relação de harmonia com o lugar, levando aos conhecidos atropelos na ecologia e na coesão social, dois pilares fundamentais de um desenvolvimento sustentável e, mais ainda, desestruturação da própria pessoa e perda de sentido.
Onde estás? É a pergunta que Deus dirige a Adão nas primeiras páginas da Bíblia, logo após a transgressão. (Gen 3,9). Pergunta que volta a ouvir-se depois de Caim ter morto o seu irmão Abel (Gen 4,9). Onde está o teu irmão? Pergunta Deus.
Estas são também perguntas que, hoje, devemos escutar e a que devemos dar resposta. Onde estou eu? Em que lugar habito? Qual é a minha casa?
Onde está o meu irmão, a minha irmã? Que lugar lhes deixo para que possam habitar o tempo e o espaço sem morte, nem migração forçada?
Os discípulos de Jesus, quando quiseram conhecer um pouco mais o Mestre, também lhe perguntaram: Mestre onde estás/moras? (Jo 1,38) Ao que Jesus respondeu: Vinde e vereis. (Gen 1, 39).
Entre ser e estar há uma ponte incontornável. Por isso é tão importante construir a nossa vida sobre o pilar da sabedoria do Estar.
Manuela Silva [ Maio 2007 ]