“O caminho no deserto quaresmal é um caminho de caridade em direção aos mais fracos” – Papa Francisco – Itinerário de Quaresma. 2020 [+]
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Durante o carnaval são representadas, em clima de festa, metáforas e caricaturas da vida. Também no quotidiano, sem festa, disfarçamo-nos perante nós e os outros e manifestamo-nos fortes quando sabemos que somos vulneráveis; fazemo-nos resistentes quando estamos interiormente devastados; mostramos coragem quando o medo nos paralisa; escondemos as angústias, os desgostos, as perdas, os fracassos, o luto e até a falta de sentido para a vida.
Neste carnaval 2020 surgiram novas máscaras. O Covid-19 apareceu como ameaça global, obrigou à quarentena de milhões de pessoas e espalhou-se provocando o medo da contaminação. Numa sociedade que não sabe lidar com o sofrimento e a morte, ficou estragada a folia e nos mercados financeiros houve sinais de susto. Agora, esperamos escapar até à próxima ameaça, até à próxima crise, ou até à próxima causa.
O instinto de viver transformou-se em obsessão pela saúde e pela longevidade; o ter transformou-se em acumulação e açambarcamento; e o valer tornou-se obsessão pelo poder e pelo prestígio. A ameaça de uma pandemia revelou a deriva do coração humano, a inversão da sua vocação mais profunda. O deserto da fraternidade, e a trivialidade aparentam ser um “novo normal”.
Na Quaresma que agora se inicia a liturgia propõe uma abordagem da nossa verdade sem máscara, nem barulho. A experiência quaresmal significa: saber quem somos, aceitar a nossa fragilidade, reconhecer os dons e os limites; descobrir as fendas por onde a vida se esvai, para ver se há algo a fazer com elas; confiar no Deus que nos conhece melhor que nós mesmos; e, ao “sair do próprio amor, querer e interesse”, poder partilhar este nosso ser no compromisso com os outros. (A. Palaoro – Quando caem as máscaras. 2017)
A tentação de ter, de poder e de parecer são uma incessante busca de segurança. Por isso, uma maneira de “desmascarar” essas tentações é descobrir a falsidade de suas promessas.
Para chegar ao nosso ser mais íntimo e divino, é preciso atravessar o próprio deserto. Libertar-nos do que acreditamos ser, para chegar ao que somos de verdade impulsionados pelo Espírito. Sozinhos e no deserto, temos de tomar essa decisão definitiva e corajosa.
Procurar Deus onde e como Ele quer ser buscado, implica conhecer a nossa interioridade em toda a sua complexidade de desejos, vulnerabilidades e contradições, desfazer enganos e fantasias sobre nós mesmos e os nossos projetos de vida.
Este é o tempo de tomar consciência de que a nossa vida passa diante do Senhor e é diante do Seu olhar que podemos ativar os nossos melhores recursos. É a oportunidade de sentir a sua presença no quotidiano partilhado com ternura, de mobilizar energias e de preparar a Páscoa sendo uma presença inspiradora junto dos que sofrem e estão abatidos.
Este é o tempo da oração, encontro insubstituível, também para agradecer o bem que Deus realiza nas nossas vidas e das pessoas com quem convivemos.
Somos convidados a viver a Quaresma como um tempo de libertação para podemos testemunhar a vivência de um Evangelho mais autêntico, mergulhar no mistério e deixar que o nosso espaço interior se inunde, pois é no silêncio e no escondido que se torna possível o encontro com o Deus verdadeiro.