Manuela Silva
Abril 2019
A conversão é a inversão da rota do navio que, se continua assim, vai direita às rochas. Não serve fazer a conta dos bons e dos maus, é preciso reconhecer que é todo um mundo que tem de mudar de direção: nas relações, na política, na economia, na ecologia.
(Ermes Ronchi)
Diante de alguma calamidade natural, acto de terrorismo, doença grave, morte prematura, sempre surge a interrogação: Onde está Deus? Esqueceu as suas criaturas ou está, porventura, a castigar os seus desmandos? Quer manifestar a sua cólera ou deixar um apelo à mudança de direcção, um convite à conversão?
No seu tempo, Jesus teve de enfrentar interrogações semelhantes dos seus contemporâneos a propósito de uns mortos que ficaram soterrados pelo desabar de uma torre em Siloé (Lc 1, 1-9). A resposta de Jesus é clara e pode resumir-se assim: não se trata de culpa ou de castigo; não é Deus que provoca as calamidades naturais, os actos de violência e de terrorismo; não se lhe podem atribuir os magnos desequilíbrios ecológicos com que estamos confrontados; tão pouco Deus muda de humor, porque é eterno o seu Amor.
Em outra passagem do evangelho, quando é apresentado a Jesus um cego de nascença, aqueles que o trazem parecem estar preocupados em saber de quem é a culpa, do próprio ou dos seus progenitores, mas, também neste caso, Jesus descarta a pergunta e recusa que o acento tónico seja posto na definição de quem é o culpado, pois o que importa é que o cego passe a ver, seja curado do seu mal e plenamente reintegrado na comunidade.
Estas reflexões vêm a propósito de acontecimentos recentes. Penso, em particular, na tragédia que assolou parte considerável do norte de Moçambique e outros países daquela região africana, ou, também, no recrudescimento da violência de índole terrorista, que vem deixando no mundo contemporâneo um rasto de morte, de pânico, de ódio e de ameaça séria à paz.
São múltiplos e variados os sinais que nos chegam de que a Humanidade atravessa um período de grande turbulência, declarada e latente, a exigir profunda reflexão e mudança de agulha na cultura, na mundividência, na economia e na política. Se, por um lado, nos damos conta de progressos gigantescos no conhecimento, na tecnologia e na capacidade humana de intervir e transformar a realidade que conhecemos, de modo a realizar o sonho de uma vida em comum em harmonia, tanto dos humanos entre si como destes com as demais espécies; por outro, vemos, acumular-se sinais preocupantes de disfuncionalidades gritantes, novos riscos e ameaças de destruição do Planeta, desmoronamento de valores e civilização.

Navio Escola Sagres NRP. Inês Aparício. 2018
Percebemos também que não é mais possível manter uma visão individualista e hedonista. Tudo está relacionado com tudo. O CO2 que expelimos para a atmosfera não tem passaporte nem conhece fronteiras. Os milhões de pobres carentes de alimento e sem acesso ao conhecimento em vastas regiões do Globo não são uma fatalidade, decorrem de opções que vão sendo tomadas no domínio das tecnologias e dos investimentos decididos em distintas, e por vezes longínquas, partes do mundo. A perda de biodiversidade em curso na Amazónia e em outras regiões afecta todo o Planeta e o clima mundial. Estes são apenas alguns exemplos que ilustram a realidade contemporânea: tudo tem a ver com tudo; as nossas opções individuais (acções e omissões) estão, queiramos ou não, a inscrever não só o nosso presente, como também o futuro da Humanidade, a sua sobrevivência ou o seu desaparecimento.
Torna-se cada vez mais urgente redirecionar a rota do barco, o que implica mudanças profundas a nível das relações sociais, da política e do poder, das culturas, da economia e da ecologia. Não bastam, porém, aperfeiçoamentos das leis e reforço de mecanismos de controlo regulação. O cerne da indispensável mudança reside na conversão da inteligência e do coração do ser humano. Como lembra o papa Francisco na carta encíclica Laudato si’:
muitas coisas devem mudar e reajustar o próprio rumo mas, antes de tudo, é a humanidade que precisa de mudar. Falta a consciência de uma origem comum, de uma recíproca pertença e de um futuro partilhado por todos, (202).
Que a preparação para a celebração do mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo nos dê a graça de uma fé viva e actuante, que leve a Humanidade a redireccionar a rota que conduz ao caos e a mudar de direcção no sentido da justiça, da fraternidade, da harmonia e da paz.